quinta-feira, 21 de junho de 2012

Rio Verde - GO

        O incêndio do Cine Rio Verde (Memórias de um menino de Rio Verde) 


 Por Tadeu Nascimento 
18: 45 horas do dia 29 de maio de 1964. O jovem Geovane revisava os rolos de fita que seriam reproduzidos na tela do Cine Rio Verde. Naquele tempo, havia racionamento de energia elétrica. Da Av.Presidente Vargas acima havia energia até às 20 horas  e o restante da cidade a energia elétrica só era ligada, após as oito horas da noite. As sessões, nos dias de semana, se iniciavam também as oito da noite. Geovane, como de praxe, corria a fita com os dedos para se certificar se não havia algum rasgo que comprometesse a projeção da imagem na tela do cinema. Acidentalmente um rolo de fita encostou-se numa vela acesa sem que ele, Geovane, percebesse. A fita, material altamente inflamável, fez com que  o fogo rapidamente se propagasse.  Em poucos minutos a cabine de projeção estava em chamas.  Mas ainda não suficiente para chamar atenção dos vizinhos ou de quem passasse por ali. Geovane não consegue aplacar o fogo e sai às pressas com queimaduras em um braço. Alguns minutos depois, ergue-se uma fogueira enorme. O Cine Rio Verde estava totalmente em chamas!
             Contava eu com 10 anos de idade e recuperando-me de uma caxumba, doença que hoje nem se fala mais. Morávamos na casa de minha avó, Tília Jayme Nascimento, enquanto meu pai construía a nossa casa. O referido cinema pertencia a minha avó materna. Com 39 graus de febre acordei-me com os gritos de minha avó e de minha mãe, desesperadas diante da tragédia. Levantei-me da cama assustado e vi o reflexo do vermelho da chama invadindo todo quarto. O prédio do cinema ficava na mesma rua, 5 terrenos após da casa de minha avó. Voltei-me o corpo para a janela que refletia o fogo: nunca vira  tamanha fogueira. Aliás, já se passaram 48 anos e nunca vi outra de tamanha proporção. Em 1970, se a minha memória não estiver enganada quanto ao ano, vi um incêndio incomum na Av. Anhanguera com a Rua 6, Centro de Goiânia. Era uma loja de roupas masculinas. Acho que o nome da loja era San Remo. No entanto, não fora do tamanho do incêndio dantesco do Cine Rio Verde.
             Lembro-me muitíssimo bem que no dia 31 de maio, domingo, iria passar na tela "Os dez mandamentos", grande sucesso de Cecil B. de Mille com Charton Heston e Yul Brinner. Quis o destino, que o incêndio ocorresse na sexta-feira e não no sábado ou domingo que tinham duas sessões. O que poderia resultar em uma tragédia maior. Em suma: não morreu alguém.
            Acontece que este cinema faz parte da minha história, da minha pobre biografia. Desde pequenininho, eu frequentava cinema. O prédio do cinema era como mais um cômodo de minha casa. Minha avó Tília trabalhava na bilheteria (com a sua caçula Rafaelita no colo) e meu pai (para aumentar a renda da família) era dono da bomboniere do mesmo cinema. A minha infância foi muito focada nos astros hollyoodianos como Tarzan,  Zorro, Robin Hood, Hércules e também pelos nossos heróis da Antlântida Filmes como Grande Otelo, Ankito, Mazzaropi, Zé Trindade ...
             Em meio a tanta confusão entre o desespero em face do prejuízo e o socorro para apagar o fogo, assisti uma cena que nunca esqueci: a solidariedade do povo de minha terra. Duas longas filas onde, de mãos em mãos, passavam-se dezenas de galões e baldes com água  para controlar o fogo. Algumas  pessoas se queimaram nos braços, nas pernas em gestos heróicos para evitar que se alastrasse o fogo para as casas vizinhas. A luta contra as chamas durou-se a noite toda. Todavia o cinema queimou-se por inteiro, restando apenas uma de suas paredes.  Levaram-me para casa do Dr. Alcyr Mendonça. Na casa de minha avó era impossível dormir. Na manhã seguinte, fui ver o que restou: somente carvão. Nada mais. Foi como se tirassem um pedaço de mim. Na casa de minha avó, a tristeza de um velório.  
             As imagens da televisão ainda não haviam chegado a Rio Verde. As únicas casas de diversão eram o Cine Rio Verde e o Cine Bagdá. No dia seguinte ao incêndio, meus tios se reuniram para  definir o que fazer com o resto que sobrara do cinema, ou seja, com o terreno vazio que ali ficou. Decidiram construir um novo cinema. Sete meses depois, em 31 de dezembro inaugurava-se, com grande festa, o novo Cine Rio Verde com o filme "Os dez mandamentos". Quatro anos depois a minha família construiu outro cinema, o Cine Presidente, na Av. Presidente Vargas.  Mas depois chegaram as transmissões de televisão e quase todos cinemas de rua em todo planeta fecharam suas cortinas encerraram suas portas. Salas de cinema com qualidade, só nos shoppings centers.
              30 anos depois deste incêndio, assisti o filme Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore/1988. Ganhador do Oscar, versão melhor filme estrangeiro.O enredo se passa numa pequena cidade da Sicilia, Itália, antes da chegada da televisão, onde um menino,Totó (Salvatore Cascio), se apaixonou por cinema  e tornou-se amigo do progecionista, Alfredo (Philippe Noiret, o mesmo ator de "O poeta e o carteiro") e que,  num certo dia, viu o  prédio do cinema arder em chamas. E ele chorou...Mas essa história aconteceu comigo!- me surpreendi. Aquele menino da ficção sofreu o que eu sofri  na vida real, ao ver desaparecer nas chamas um mundo mágico de uma sala de progeção, que é a arte do cinema. A arte que encanta o mundo inteiro.