quinta-feira, 29 de outubro de 2009


Abílio Wolney


Os três momentos mais importantes da História de Goiás




Por Tadeu Nascimento



Com o advento do aniversário de Goiânia, me veio à mente o que foi o Estado de Goiás antes da mudança da Capital. O arcaico antes do moderno. O coronelismo antes da democracia. E a conclusão a que cheguei é que os momentos mais importantes da História de Goiás se deram nas duas primeiras décadas do século XX. No entanto, são históricos pelo seu lado trágico. São os episódios de São José do Duro (hoje Dianópolis – Tocantins); da República dos Anjos (Comunidade de Santa Dica), em Lagoa (hoje Lagolândia, distrito de Pirenópolis) e o da Revolução de 1930 (em Goiás, o momento culminante se deu em Rio Verde, quando prenderam Pedro Ludovico). Em todos os três momentos foram às custas da violência. O episódio de São José do Duro, que mais tarde foi retratado no livro O Tronco, de Bernardo Élis, aconteceu quando o coronel Abílio Wolney se rebela contra o chefe político de Goiás, o então deputado estadual Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado. A pendenga começou, segundo o escritor Osvaldo Póvoa, quando “Totó Caiado, sob o pretexto de protestar contra um projeto de lei, parecia disposto a apelar para a agressão física, obrigando Abílio a abrir uma gaveta, simulando que ia usar uma arma. ‘Se der mais um passo, eu atiro!’ – gritou Abílio. Era apenas um artifício, pois não havia arma nenhuma na gaveta. Seu quase agressor ameaçou: ‘Você me paga!..’” Abílio, juntamente com Luís Gonzaga Jayme e Emílio Póvoa, funda o jornal O Estado de Goiás e move cerrada oposição ao governo. Na redação, um dos jornalistas mais polêmicos da época: Moisés Santana. O governo tenta empastelar o jornal. Abílio Wolney se retira para o Duro. Por causa de um inventário impugnado pelo coletor estadual Sebastião de Brito Guimarães, Wolney exige do juiz a solução para o inventário. O governador João Alves de Castro, pressionado por Totó Caiado para agir contra o seu desafeto, envia uma comissão comandada pelo juiz Celso Calmon da Gama com 60 soldados. Os soldados matam sob as ordens de Calmon, em emboscada, o pai de Abílio, o coronel Joaquim Ayres Cavalcante Wolney à vista do filho, que não teve como defender o pai. Abílio foge, busca refúgio na Bahia e traz com ele um bando de 200 cangaceiros para invadir o Duro. Os soldados, sabendo que a tropa de Abílio invadiria o povoado, colocam cinco dos familiares de Abílio no tronco. Este, prestes a atacar, recebe a visita de sua irmã, que lhe foi implorar para que não invadisse o Duro, pois a ordem era matar todos (entre eles o seu filho ) se Abílio ousasse invadir. Abílio tentou recuar, mas os cangaceiros não abriram mão de saquear o lugarejo. Os soldados, diante do ataque, assassinaram nove (5 no tronco) prisioneiros e os cangaceiros arrasaram a cidade. Era 16 de janeiro de 1919, uma quinta-feira. Anos depois, o escritor Osvaldo Póvoa escreve o livro Quinta-Feira Sangrenta. Abílio não pôde viver mais no Duro, mudou-se para Barreiras (BA), onde foi prefeito e chefe político. Curiosidade à parte, Abílio Wolney é o autor do projeto que mudou o nome de Santana das Antas para Anápolis. Há poucos anos tentaram retirar o busto de Abílio Wolney de uma praça pública de Anápolis. Foi preciso que um de seus netos se insurgisse contra tal insensatez. Talvez o “genial” e “progressista” vereador quisesse que Anápolis voltasse a se chamar Santana das Antas.

Santa Dica, nascida Benedicta Cypriano Gomes, é mais um ser milagreiro deste Brasil místico e confuso. Santa Dica era uma espécie de Antônio Conselheiro de saias. Curandeira, milagreira, profetiza, santa ou demônio, desenvolveu o seu movimento no vilarejo da Lagoa, hoje distrito de Pirenópolis. Na comunidade conhecida por “Anjos” ou “Calamita dos Anjos”, viveu-se um mundo paralelo, quase anárquico, dirigido apenas pelas ordens da Santa Dica. Assim como em Canudos de Antônio Conselheiro contestavam a propriedade da terra, a legislação vigente e o casamento civil. Enfim, condenavam o comportamento da sociedade humana que ficava fora da comunidade dos Anjos. Os grupos dominantes e a igreja denunciaram ao governo do Estado que ali poderia surgir uma nova Canudos. Dica se tornou uma espécie de “Lenin do sexo diferente”, trazia a manchete do jornal O Democrata em 10 de outubro de 1924, pois defendia ela que “a terra não é propriedade de quem tem o título dela”. Santa Dica tornava-se famosa nos grandes centros. A pintora Tarsila Amaral, expoente da “Semana de Arte de 1922” de São Paulo, a eternizou em um dos seus quadros. O governo envia um batalhão com 114 soldados sob o comando (adivinha de quem?) do mesmo juiz Celso Calmon de Gama. A batalha foi tão desproporcional que durou apenas 30 minutos, onde morreram 11 “revoltosos” e dezenas ficaram feridos. O dia era 14 de outubro de 1925.

A Revolução de 30. Pedro Ludovico, com outros revoltosos, invade a cidade de Rio Verde no final de setembro. O chefe político da cidade era o major (da Guarda Nacional) Frederico Gonzaga Jayme. Pedro Ludovico é preso e depois fora enviado, juntamente com Oscar Campos (pai do ex-prefeito de Rio Verde Paulo Campos), para a cidade de Goiás. A caminho para a velha capital viajavam no primeiro carro César da Cunha Bastos com Pedro Ludovico e no segundo carro, o alferes Antônio Catulino Viegas com Oscar Campos. Chegando na Cachoeira da Fumaça, um outro carro em direção contrária chega com a notícia de que a Revolução triunfara. Ou seja, os Estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba venceram os governos central de Washington Luís e do Estado de São Paulo, que burlaram a eleição para Presidência da República a favor de Júlio Prestes, então governador de São Paulo, contra o candidato a presidente Getúlio Vargas, então governador gaúcho. Era o fim dos governos dos coronéis.

Mas o que têm em comum estes fatos históricos além do chefe Antônio Ramos Caiado e o sangue derramado? Resposta: um personagem de sua estrita confiança. Um cidadão que, onde houvesse desafeto que oferecesse perigo ao governo, lá estava ele, Antônio Catulino Viegas, o Alferes Catulino. No episódio do Tronco em São José do Duro, foi um dos três alferes que trancafiaram os familiares de Wolney no tronco. Catulino executou o menor Oscar Wolney Leal, filho da irmã de Abílio, aquela que tentara impedir o ataque. Foi condenado pelos crimes no Duro a 25 anos e seis meses de cadeia e exonerado da polícia. Todavia, um ano depois é reintegrado no corpo policial. Na invasão da Comunidade dos Anjos de Santa Dica, ele era a voz do ataque que matou 11 e feriu dezenas de revoltosos. Por fim a Revolução de 30: com a notícia que a Revolução triunfara, inverteram-se os papéis: Pedro Ludovico e Oscar Campos escoltaram os presos Cesar da Cunha Bastos e Catulino Viegas para a antiga capital. Era 3 de outubro de 1930. Início de uma nova era.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009











Fachada Café Central


As almas encantadoras do Café Central


Por Tadeu Nascimento

Tal qual uma sentinela, fico a observar as mudanças da cidade. Mais ainda o comportamento das pessoas. Aprendi com Lavoisier: Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Tudo se transformou. As ruas se modificaram, as casas também. Os prédios antigos cederam lugares aos novos. A moda mudou a indumentária das pessoas. Os “tipos”, quero dizer, as pessoas folclóricas simplesmente se evaporaram. As almas encantadoras das ruas, como diria Paulo Barreto, o João do Rio, vão se moldando aos novos “tipos” e à modernidade. O jardim central da Avenida Goiás emagreceu, tornou-se mais estreito para dar vazão ao trânsito. O Café Central (fundado em 1940) mudou de dono, se apequenou, se escondeu numa portinhola na Rua 7; a Pastelaria Real, que era a rainha da madrugada – onde seus súditos, depois dos bailes iam para seu último desjejum –, perdeu a majestade: fecharam suas portas para nunca mais; o Restaurante do Armando, com sua famosa feijoada, mudou-se para o Bueno e de lá para um lugar incerto e não sabido. O Bola Sete (salão de snooker) entrou numa sinuca de bico e fechou suas portas. O Restaurante O Grego não esperou a comunidade européia surgir e escafedeu-se. Um pouco acima do Grego, a melhor casa de pães até hoje instalada na cidade: a Panificadora Única dos irmãos Arnulfo, Sebastião e Alfeu Dourado. Ao lado – dos mesmos donos –, o refinado restaurante especializado em peixes, O Dourado, por motivo de saúde encerrou as atividades. O Magazine Central, onde se vendia a famosa camisa “Volta ao mundo”, não resistiu às voltas que o mundo dá e, sob o teto do Edifício Euclides Figueiredo (homenagem ao general, pai do ex-presidente), também fechou suas portas. Assim também desapareceram as Lojas Huddersfields, a antiga Drogasil, A Futurista, a Boutique Brasília, a Cinzel, a Ótica Vasques, Clark Calçados, a Drogaria Carmo (da esquina com a Goiás), A Jóia e A Jóia Lar, a Paulistinha Discos, A Imperatriz Calçados. O Mercado Municipal foi pra Rua 3 e perdeu, na mudança, todo o seu charme e a fórmula de fazer vitaminas (nunca se “tomou” tanta vitamina como naquela época e as lanchonetes vendiam às turras, principalmente a do Seu Alberto do Mercado, mas a campeã da cidade era A Fonte do Paladar). Do outro dado da praça, o Bazar Oió, o Hotel Bandeirantes e as boates Porão 47 e Terraço. Todas estas casas desapareceram. E com elas os “tipos” que davam vida ao lugar.

O Alemão da Banca, que por si só já era uma “figura” – com sua cabeça metade raspada-metade cabeluda em contraste com a barba metade cabeluda-metade raspada, tal qual um tabuleiro de xadrez –, administrava a maior banca de jornais de Goiânia. O Alemão (Francisco Lima Neto) morreu, assim como a sua banca (hoje, no lugar está uma banquinha). Morreu também meu amigo Dorvalino da Ótica Vasques que era um homenzarrão que adorava uma noitada. Figura inesquecível do Seu Antero com seu auto-falante percorrendo em passos cuidadosos o quarteirão do Café Central noticiando o prato do dia do Restaurante do Armando. Seu Antero usava um chapéu de pano e um par de óculos fundos-de-garrafa e acabou por tornar-se cego por completo e, mesmo assim, continuou o seu trabalho de locutor de rua. Ainda na minha memória o “Grandão” (Eurípedes Alves da Silva), engraxate que cumpria o seu ofício na primeira cadeira da Engraxataria Ami (Engraxataria da Rua 7), entabulava um ótimo papo, conhecia todo mundo e sabia de tudo. Todos estes já partiram para o além. Na minha retina voltada para o passado ainda estão lá na esquina da Av. Anhanguera com a Rua 7 o Alemão da Banca, Seu Antero e o Grandão.

Na Praça do Bandeirante acontecia de tudo. Coisas que não mais se vê. Naquele vão entre a Drogaria Carmo e o Minas Bank sempre estava – cercado por curiosos – a figura pitoresca e extraordinária (porque não?) do tirador de calos. E com ele duas ou três caixas com tampas de vidro exibindo – como troféus – as unhas espetaculares por ele tiradas. No chão, ali perto, uma mendiga portadora de elefantíase. Do outro lado, na porta do BEG, um festival mambembe do homem-da-cobra. E tira a jiboia da mala e põe a jiboia na mala (a cobra morava na mala; não existia o Ibama) e a deposita em seus ombros e a tira dos ombros e oferece a algum curioso e este pula para traz alargando a roda de gente e volta a serpente pra mala ao som de uma trilha sonora discursiva saindo de um microfone pendurado no peito do homem que não parava de falar. Era o marketing de vendas de seu remédio que curava tudo. De hemorróidas a espinhela caída. De pancreatite a sinusite, de dor de barriga a dor de ouvido: substância extraída do cipó da região do Pico da Neblina, lugar mais alto do Brasil. Era o tal de Elixir de Manduraciacaba da Amazônia ou outro nome qualquer do qual ninguém se lembrava dez minutos depois. Em frente o Banco da Lavoura (do outro lado da Praça do Bandeirante) sempre tinha um pastor evangélico de plantão a pregar o frescor do céu e o calor do inferno. Ali do lado, disputando o mesmo espaço, um líder estudantil pregava o socialismo utópico e expelia iras à ditadura. Ali perto, uma viatura da polícia e “os home da lei” fazendo de conta que trabalhavam.

Ciganos, vendedores de loteria, malandros, marchands de gado, agiotas, homens de negócio (não se usava a palavra executivo), estudantes, balconistas, pedintes, bancários, jornalistas, intelectuais, fazendeiros, donas de casa, desocupados, mordedores (aqueles que viviam mordendo a carteira de um amigo com o pedido pra comprar feijão pra família, embora sempre o dinheiro terminasse na mesa de bar ou de jogo) compunham o belo quadro social daquele pedaço mais importante de Goiás que era o Café Central.

Daquelas lembranças ainda restam em pé, a Engraxataria Ami, dos filhos do saudoso Alemão, a banca de revistas e a estátua do Bandeirante que um dia foi doada (e inaugurada), em 1947, pelos acadêmicos da Faculdade de Direito de São Paulo, entre eles os meninos Ulisses Guimarães e Jânio Quadros. Que também já se foram.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009



Mário Palmério em 1995


Presidente Getúlio Vargas com Deputado Mário Palmério, no Palácio Rio Negro, no momento da assinatura do decreto que autorizou o funcionamento da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), em Uberaba. Rio de Janeiro/RJ, 23/03/1954.


A BELEZA DA PALAVRA SAUDADE

Por Tadeu Nascimento

Acordo cedo e logo me deparo com as coisas mais banais do meu cotidiano. Saio de baixo do chuveiro e me enxugo. Busco a gaveta e escolho uma cueca. De repente me dou conta o quanto é horrível a palavra cu-e-ca! Fui ao Aurélio e a suspeita se confirmou. Assim aconteceu com o cueiro, curvar, acuar e até recuar, que é dar ré no próprio (andar de fasto). A primeira sílaba já diz o óbvio. Pensei comigo: como vou explicar esta crônica aos meus preciosos leitores? Peço perdão, minha senhora, mas a minha intenção seria escrever sobre as palavras mais feias e as mais belas da nossa língua. Palavras que soam mal e outras que soam bem aos nossos ouvidos.

Nomes feios de pessoas. Os pais que se apiedassem dos filhos (os cartorários também) e não os registrassem com nomes estapafúrdios. Nomes que os fazem infelizes. Ambrolina, Sinfrônio, Cremilda (cantora do Nordeste), Virgulino (Lampião, o cangaceiro), Anastácio, Adamastor. Tive um colega de faculdade, em Uberaba, cujo nome era ADX de Oliveira. No primeiro dia de aula já ganhou o apelido de “Prefixo de Avião”. Um outro, em Goiânia, seu pai, um português torcedor do Vasco, ousou ainda mais, batizou o seu portuguinha de Cruzmaltino da Silva. O gajo ficou tão revoltado com o pai que desde pequenininho é flamenguista ferrenho. O deputado federal Onaireves (Severiano de traz para frente) Moura (PR) foi cassado por decoro parlamentar. Deveriam ter cassado (ou prendido) o pai dele - também por decoro - por ter-lhe imposto um nome tão estapafúrdio. O deputado federal Genebaldo Correia (BA), cassado envolvido no escândalo do Orçamento, idem. O pai orçou mal o futuro do filho. Mas têm pais que judiam. Só com a letra “A” (para não estender muito) eis alguns nomes estrambóticos que estão registrados nos cartórios (e na lista do INSS de 1988) de todo o Brasil: Ambrilina Décima Nona Caçapava Piratininga de Almeida; Agrícola Beterraba Areia; Aeronauta Barata; Antônio Morrendo das Dores; Antônio Querido Fracasso; Antônio Treze de Junho de Mil Novecentos e Dezessete; Aricléia Café Chá; Arquiteclínio Petroquímio de Andrade; Asteróide Silvério e - pasme! - Ava Gina (homenagem a Ava Gardner e a Gina Lolobrigida). É sabido que em Minas tem muito destes nomes: são famosos um cidadão cujo nome é Um Dois Três Oliveira Quatro, uma senhora Magnésia Bisurada do Patrocínio e os senhores Letsgo Daqui (let’s go) e Orlando Modesto Pinto. No entanto, existem muitos nomes bonitos de pessoas como Carolina, Thaís (milha filha), Otávio (meu neto). Quanto mais simples mais bonitos.

Um parágrafo para nomes bonitos. Bicicleta, sonoramente - dizem os entendidos fonologistas - é a mais bonita. Elegância, felicidade, decência, integridade, paralelepípedo e saudade. Saudade, segundo os filólogos e outros entendidos, é a palavra mais bonita por só existir na língua portuguesa. Não existe uma palavra isolada que traduza com exatidão o seu significado. O linguista Osvaldo Humberto Leonardi Ceschin, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, explica: “nas outras línguas existem palavras que se aproximam deste sentimento, mas nenhuma talvez expresse com tanta clareza este estado de espírito. As pessoas de outras culturas sentem falta de algo ou de alguma coisa, por isso a palavra saudade é traduzida por meio de palavras que se assemelham. A diferença é a existência na nossa língua de uma só palavra capaz de expressar sentimento tão grandioso.” Saudade vem do latim solitude, solidão. Com o passar do tempo virou solidade, soldade e finalmente saudade. No tempo dos descobrimentos as viagens longas provocavam o sentimento saudade que os navegantes tinham por suas mulheres. Em inglês: I miss you (sinto a sua falta); homesickeness (sentir falta de casa ou do lugar). Em espanhol: recuerdo (lembranças); Te extrano muito (sinto sua falta). Em italiano: ricordo affetuoso (lembrança carinhosa). Em latim: desiderum (desejo de ter de volta); lenirium (matar a saudade); solitude (solidão). Em francês: souvenir (lembrança); Tu me manque (sinto sua falta). Em grego: mnéia ou mnéme (sentir falta). Em alemão: heimweh (saudade da casa ou do lugar; sehnsuchet (desejo de ter algo de volta). Em norueguês: savner deg (sinto a sua falta). A palavra saudade é bela porque é um sentimento que deve existir em todo ser humano, seja ele de qualquer raça, de qualquer parte do planeta, seja pobre, seja rico. A saudade é irmã da solidão, companheira inseparável do amor, visita invisível da paixão. Realmente não é fácil definir o sentimento de saudade. O escritor mineiro Mário Palmério compôs a guarânia Saudade, que tornou sucesso nas vozes de grandes cantores. Fagner e Joana cantando Saudade juntos é ótimo. O escritor - com quem tive alguns contatos quando estudava na sua universidade (Fiube, hoje Uniube) em Uberaba - me disse numa de nossas conversas informais - fumando o seu cachimbo indefectível - no pátio da escola que a origem desta música se deu quando ele fora embaixador do Brasil em Assunção, Paraguai, e que uma “motiatia” com quem estava tendo um caso de amor lhe perguntou o que era saudade que ele lamuriava tanto. E Mário Palmério tentou lhe explicar o que acabou virando uma bela música que é interpretada - a primeira parte em castelhano e a segunda em português: “Se insistis en saber lo que es saudade/ Tendrás antes de tudo conecer/ Sentir lo que querer, lo que es ternura/ Tener por bien um puro amor, vivir/. Depués compreenderas lo que es saudade/ Después que hayas perdido aquel amor/ Saudade es soledade, melancolia/ Es lanjardia, es recuerdar, sufrir./ Se queres compreender o que é saudade/ Terás antes de tudo conhecer/ Sentir o que é querer, o que é ternura/ E ter por bem um grande amor, viver./ Então compreenderás o que é saudade/ Depois de ter vivido um grande amor/ Saudade é solidão, melancolia/ É nostalgia, é recordar,viver”.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

BOSQUE DOS BURITIS

Meu projeto para uma cidade mais feliz




Por Tadeu Nascimento



Desde a mais rudimentar caverna o ser humano quer melhorar de vida. Viver em um lugar mais aprazível. Nenhum homo sapiens quer dar ré na sua qualidade de vida. O mundo poderia ser melhor, e as cidades poderiam “ser mais felizes”. Se eu pudesse, se tivesse poderes para tanto, se eu fosse presidente do meu país, ou se fosse um congressista faria tudo para que as cidades fossem (mais) prazerosas para se viver. Leia-se projetos aprovados pelo Congresso. Até porque o Estado foi inventado justamente para fazer o cidadão feliz. Ponto. E a primeira proposta seria o projeto que proibisse as cidades (prefeitos e câmaras de vereadores) de nomearem quaisquer logradores públicos (ruas,avenidas, praças,colégios) com nomes de políticos. Isto acabaria com a injustiça de não se homenagear quem merece. Exemplos: Ulisses Guimarães, um paladino da democracia não tem o destaque que merece. Assim como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola que lutaram pela educação. Como se pretende diminuir a violência onde se premiam memórias de ditadores, sanguinários com nomes de avenidas praças, colégios? Falemos de Goiânia: Avenida Castelo Branco, Colégio Costa e Silva, Avenida Anhanguera (Bartolomeu Bueno, pai e filho, mataram e escravizaram os índios desta terra). Avenida Assis Chateaubriand, cujo homenageado foi um chantagista, um homem de caráter muito defeituoso. Todas as ruas e avenidas teriam nomes de músicas, de flores,de livros, de artistas, professores e escritores (desde que não fossem políticos). As ruas horizontais ganhariam nomes de músicas, as verticais de livros. As praças seriam agraciadas com nomes de compositores; as faculdades e colégios com nomes de professores. Os bairros teriam nomes de movimentos musicais. Seria mais ou menos assim: Rua Carinhoso, Rua Dom Casmurro, Praça Ary Barroso, Av. das Camélias, Rua El dia em que me queiras, Praça Vinícius de Moraes, Bairro das Valsas, Setor Bolero, Vila do Samba-canção, Setor da Bossa Nova, Vila da Tropicália. Não necessariamente nesta ordem. Pois trata-se apenas de uma idéia. No Parque das Laranjeiras, aqui em Goiânia, tem uma etapa cujas ruas levam nomes de passarinhos: Rua das Andorinhas, Rua Bentivi etc. (Parabéns Pedro Paulo de Souza- da Encol- pelos inestimáveis serviços prestados a Goiás e ao Brasil! Ainda vou escrever sobre sua história). Melhor Rua dos Canários do que Rua Floriano Peixoto, Rua Moreira César ( o Corta-cabeças morto em Canudos). Quase todas as cidades de Minas tem uma rua com o nome deste sanguinário. A Rua do Ouvidor no centro Rio de Janeiro, por um breve tempo, teve seu nome trocado por Rua Moreira César. A população não gostou e exigiu-e conseguiu- a volta do belo nome de Rua do Ouvidor.

Avenida Cora Coralina. O nome da nossa maior poetiza foi gravado numa placa de metal em uma avenida que nunca foi uma avenida. Foi e ainda é um grande equívoco. Uma avenida teria duas mãos de tráfego. Um absurdo. Uma rua, pior uma avenida, que não tem acostamento, com passeio de um metro de largura; sem passarela que divide as avenidas; uma avenida que no seu percurso não tem uma única árvore. Além de tortuosa e feia. Cora merecia ser homenageada com uma avenida ou teatro que fizesse jus ao seu talento. Esta “avenida” mal parece uma rua e sim um atalho. Eu trocaria então o nome desta “avenida” por Atalho do Prefeito.

No interior do Estado do Rio de Janeiro existe uma cidade bucólica chamada Conservatória Também conhecida por Concervatória com dois “c”, onde as ruas tem nomes de músicas da MPB e todos os fins de semanas grupos de pessoas fazem serenatas pelas ruas da cidade.

Voltando ao meu modesto projeto: todas as cidades com mais de 30 mil habitantes teriam um coreto (como antigamente) ou uma concha acústica. Claro que haveria uma dotação orçamentária para este objeto. Há poucos dias sugeri a um assessor do atual prefeito que a prefeitura fizesse uma concha acústica com uma fonte vertical de águas em sincronia com as notas musicais dos instrumentos da orquestra- no Lago dos Buritis, em frente ao Palácio de Justiça, à beira lago, para que nos finais de semana a Orquestra Sinfônica de Goiânia se apresentasse aos goianienses e aos visitantes, posto que aquele espaço elevaria o bom gosto e sensibilidade dos habitantes desta capital. Explicando melhor: a concha ficaria de frente para Av. Assis Chateaubriand ao lado do monumento das terras de todo planeta. Além do que é o lugar onde se transita maior número de pessoas na cidade. Campos do Jordão, uma das cidades turísticas mais prazerosas do país tem a sua concha acústica onde nos finais semanas são executadas as mais belas obras da música clássica. Basta ver no Google. com ou no youtube.com. Quem nunca viu na tv as grandes exibições de consertos regidos pelo maestro Isaac Karabichevisk no Parque Ibirapuera, na capital paulista? Em Uberlândia- MG, desde a década de 60 existe uma concha na Praça Tubal Vilela, com uma fonte colorida cujas águas sobem e descem de acordo com as notas musicais. Em Uberaba também existe uma concha acústica.

Quando da candidatura de Iris à prefeitura de Goiânia em 2004, sugeri a um dos seus interlocutores que o candidato tivesse entre seus planos de governo transformar o Lago das Rosas e o horto municipal em um Central Parque- como o Central Park de New York- com pista de patinação, com conchas acústicas, palco para representações teatrais, parque de diversões, ciclovia, pista de Cooper etc. Este Central Parque seria maior que a área do atual Lago das Rosas. Ideal seria se ocupasse o espaço do Corpo de Bombeiros, mas para isto a Av. Anhanguera teria que o seu trânsito fluísse sobre um elevado (viaduto) e este sobre o lago que por sua vez teria suas dimensões aumentadas. Seria uma obra que traria muita felicidade ao goianiense, além de valorizar os bairros vizinhos. Atrair as pessoas para as praças é um progresso humanista importante, pois precisamos de mais parques, mais praças, mais teatros, mais ciclovias, mais cultura e mais flores. Carrinhos de pipoca, de sorvete, de algodão-doce sempre serão símbolos de gente feliz.

domingo, 4 de outubro de 2009













A última flor do Lácio e seus espinhos

Por Tadeu Nascimento

Sempre quis entender o porquê das invasões bárbaras de palavras estrangeiras na última flor do Lácio, inculta e bela que é a nossa língua. Não venham me dizer que as invasões são porque ela é inculta (apesar de bela). Infelizmente aceitamos estas ingerências passivamente. Com isso, às vezes, me sinto alienado ou alienígena nesse mundo cheio de modernices. O estrangeirismo começa logo cedo, quando a gente acorda: para escovar os dentes usamos o “Close Up (antigamente era o Kollynos, o do sorriso). Melhor seria se usássemos o dentifrício, que é a palavra naturalmente brasileira. Nunca entendi o tal Close Up, se close em inglês significa fechado. Deve ser pra gente ficar com boca de siri. Abro a janela em busca de ar puro e deparo-me com um “outdoor” com a propaganda da “Pizza Hut”. Penso com tristeza: estão engolindo nossa língua rapidamente. Sem degustar. Nunca convivemos com tantas palavras estrangeiras! Certa vez, uma amiga me deixou constrangido por eu não saber o que era fazer “check in” (no aeroporto). Claro, eu quase só viajo montado nos – não sei em quantos – cavalos do meu automóvel!

– Ah, não vai me dizer que você não sabe o que “check in”? – com cara de decepcionada comigo (tipo: este cara não é deste mundo ou é um tremendo ignorante!)

– Não, não sei – respondi revelando a minha santa ignorância sobre tudo que é moderno. Falei cá com os meus distraídos neurônios: não teria outro nome em português equivalente a este infinitivo tão mal colocado do verbo fazer? A gente faz “check in”? Isso meu pai não me ensinou, nem o emérito professor de Português Sherlock Holmes da Silva no Colégio Martins Borges, em Rio Verde. Neste caso, não ficaria melhor o termo “Confirmação de voo” (para voar)? Exemplo: “Vou à confirmação” ou “Vou confirmar o voo”. Se não colar ou se não decolar, que inventem outro termo mais adequado. Em português, obviamente.
No início do século XX era o francês (galicismo), agora é o inglês (anglicismo). E os termos importados não param de nos contaminar. Com o advento do computador, criou-se um novo idioma, tanto que já inventaram o dicionário de informática. O que seria fazer um dowload? – perguntava a mim mesmo diante de alguém que falava o informatiquês. Até então, na minha família, ninguém fez dowload. A gente é pobre, mas é limpinho! Continuo a me indagar: melhor não seria baixar? Baixar alguma informação, assim como no centro espírita, embora as mensagens de lá sejam do outro mundo? Link? Só vim saber o que é este tal de link depois que o Google disse aos seus discípulos: é só procurar no “Cadê”! Conclui-se que “agenda” (no contexto, cibernética) seria a melhor denominação para a palavra link. Você tem “e-mail”? Quando surgiu o tal do “e-mail”, pensei que o mundo estava ficando tantã e meio. O dono da livraria ao telefone: “Me passa o seu e-mail”! Pensei comigo: esta deve ser uma nova modalidade de assalto! Ele quer que eu passe um e-mail pela linha do telefone! Não passo nem um terço, nem um quarto, e nem coisa nenhuma! O tal do fax: fulano foi passar um fax (no banheiro). Ainda bem que quase ninguém mais passa fax. Passa-se e-mail. Daqui uns dias (o fax) será obsoleto até no banheiro.
Ainda têm o “desktop” e o laptop”. Tipos de computador. O primeiro é de mesa, o segundo, de colo. Computador de colo – ops! cuidado com a cacofonia! (com puta dor de colo) –, que, antes de firmar jurisprudência, já virou notebook, livro de bolso (que deveria se chamar computador móvel), mas já está perdendo sua vaga para o netbook, que é o computador de rede. Um expert no assunto me sugeriu: melhor armazenar no “pen drive” (pô, chega de aspas!) para economizar espaço! Não tenho dúvidas de que em breve tempo cada cérebro terá um chip (ou mais) com tanto gibabytes que nos tornaremos meio-robôs ou totalmente. Teremos um tocador de CD, outro de filme, gravadores de CD e de DVD, um word para escrevermos nossas mal tecladas (mentalizadas) linhas, um messenger (telepático) para bater papo, calculadora e um teclado mental. A mente, aliás o chip, cuidará de tudo. Está aí o exemplo na cirurgia cardiológica: inventaram o tal do stent (mola para dilatar as artérias), que resultou no benefício para o cidadão que ganhou uma grande prorrogação de prazo neste planeta. Complicou? É só trocar as molas, isto é, os stents. Tenho um parente que tem tantos stents (molas) que ganhou o apelido de Colchão Ortobom.
Já não bastavam os shopping centers (com seus playgrounds) que vendem hot dog e cheseburger regados a catchup; os pit stop dos McDonalds; o pré-histórico long play (o bisavô do CD); o copyright (que deveria se chamar patente ou direito autoral) dos livros; o ghost write (o escritor fantasma). Carlos Heitor Cony era ghost-write (escrevia discursos para o presidente Juscelino).
Fazer um checkup é se consultar junto ao médico. Mas checkup é mais chique. E chique é palavra francesa – além de carnê (carnet), buquê (bouquet), abajur (abar-jour), crochê (crouchet), filé. Tem gente que, querendo ser mais chique ainda, diz que fez um checkup com médico que se especializou – adivinhe onde? – na França, claro.
A verdade é que estamos perdendo nossa identidade. Daqui a pouco não comeremos bifes e sim hambúrgueres, não teremos goiabada cascão com queijo de Minas e sim sunday de chocolate com chantily. Nem suco de caju e sim coca-cola ou sprite lemon. E aí, brother, teremos pés e peitos imensos (as mulheres, claro), pouca bunda e uma vontade louca de sermos franco-atiradores.