quinta-feira, 15 de outubro de 2009



Mário Palmério em 1995


Presidente Getúlio Vargas com Deputado Mário Palmério, no Palácio Rio Negro, no momento da assinatura do decreto que autorizou o funcionamento da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), em Uberaba. Rio de Janeiro/RJ, 23/03/1954.


A BELEZA DA PALAVRA SAUDADE

Por Tadeu Nascimento

Acordo cedo e logo me deparo com as coisas mais banais do meu cotidiano. Saio de baixo do chuveiro e me enxugo. Busco a gaveta e escolho uma cueca. De repente me dou conta o quanto é horrível a palavra cu-e-ca! Fui ao Aurélio e a suspeita se confirmou. Assim aconteceu com o cueiro, curvar, acuar e até recuar, que é dar ré no próprio (andar de fasto). A primeira sílaba já diz o óbvio. Pensei comigo: como vou explicar esta crônica aos meus preciosos leitores? Peço perdão, minha senhora, mas a minha intenção seria escrever sobre as palavras mais feias e as mais belas da nossa língua. Palavras que soam mal e outras que soam bem aos nossos ouvidos.

Nomes feios de pessoas. Os pais que se apiedassem dos filhos (os cartorários também) e não os registrassem com nomes estapafúrdios. Nomes que os fazem infelizes. Ambrolina, Sinfrônio, Cremilda (cantora do Nordeste), Virgulino (Lampião, o cangaceiro), Anastácio, Adamastor. Tive um colega de faculdade, em Uberaba, cujo nome era ADX de Oliveira. No primeiro dia de aula já ganhou o apelido de “Prefixo de Avião”. Um outro, em Goiânia, seu pai, um português torcedor do Vasco, ousou ainda mais, batizou o seu portuguinha de Cruzmaltino da Silva. O gajo ficou tão revoltado com o pai que desde pequenininho é flamenguista ferrenho. O deputado federal Onaireves (Severiano de traz para frente) Moura (PR) foi cassado por decoro parlamentar. Deveriam ter cassado (ou prendido) o pai dele - também por decoro - por ter-lhe imposto um nome tão estapafúrdio. O deputado federal Genebaldo Correia (BA), cassado envolvido no escândalo do Orçamento, idem. O pai orçou mal o futuro do filho. Mas têm pais que judiam. Só com a letra “A” (para não estender muito) eis alguns nomes estrambóticos que estão registrados nos cartórios (e na lista do INSS de 1988) de todo o Brasil: Ambrilina Décima Nona Caçapava Piratininga de Almeida; Agrícola Beterraba Areia; Aeronauta Barata; Antônio Morrendo das Dores; Antônio Querido Fracasso; Antônio Treze de Junho de Mil Novecentos e Dezessete; Aricléia Café Chá; Arquiteclínio Petroquímio de Andrade; Asteróide Silvério e - pasme! - Ava Gina (homenagem a Ava Gardner e a Gina Lolobrigida). É sabido que em Minas tem muito destes nomes: são famosos um cidadão cujo nome é Um Dois Três Oliveira Quatro, uma senhora Magnésia Bisurada do Patrocínio e os senhores Letsgo Daqui (let’s go) e Orlando Modesto Pinto. No entanto, existem muitos nomes bonitos de pessoas como Carolina, Thaís (milha filha), Otávio (meu neto). Quanto mais simples mais bonitos.

Um parágrafo para nomes bonitos. Bicicleta, sonoramente - dizem os entendidos fonologistas - é a mais bonita. Elegância, felicidade, decência, integridade, paralelepípedo e saudade. Saudade, segundo os filólogos e outros entendidos, é a palavra mais bonita por só existir na língua portuguesa. Não existe uma palavra isolada que traduza com exatidão o seu significado. O linguista Osvaldo Humberto Leonardi Ceschin, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, explica: “nas outras línguas existem palavras que se aproximam deste sentimento, mas nenhuma talvez expresse com tanta clareza este estado de espírito. As pessoas de outras culturas sentem falta de algo ou de alguma coisa, por isso a palavra saudade é traduzida por meio de palavras que se assemelham. A diferença é a existência na nossa língua de uma só palavra capaz de expressar sentimento tão grandioso.” Saudade vem do latim solitude, solidão. Com o passar do tempo virou solidade, soldade e finalmente saudade. No tempo dos descobrimentos as viagens longas provocavam o sentimento saudade que os navegantes tinham por suas mulheres. Em inglês: I miss you (sinto a sua falta); homesickeness (sentir falta de casa ou do lugar). Em espanhol: recuerdo (lembranças); Te extrano muito (sinto sua falta). Em italiano: ricordo affetuoso (lembrança carinhosa). Em latim: desiderum (desejo de ter de volta); lenirium (matar a saudade); solitude (solidão). Em francês: souvenir (lembrança); Tu me manque (sinto sua falta). Em grego: mnéia ou mnéme (sentir falta). Em alemão: heimweh (saudade da casa ou do lugar; sehnsuchet (desejo de ter algo de volta). Em norueguês: savner deg (sinto a sua falta). A palavra saudade é bela porque é um sentimento que deve existir em todo ser humano, seja ele de qualquer raça, de qualquer parte do planeta, seja pobre, seja rico. A saudade é irmã da solidão, companheira inseparável do amor, visita invisível da paixão. Realmente não é fácil definir o sentimento de saudade. O escritor mineiro Mário Palmério compôs a guarânia Saudade, que tornou sucesso nas vozes de grandes cantores. Fagner e Joana cantando Saudade juntos é ótimo. O escritor - com quem tive alguns contatos quando estudava na sua universidade (Fiube, hoje Uniube) em Uberaba - me disse numa de nossas conversas informais - fumando o seu cachimbo indefectível - no pátio da escola que a origem desta música se deu quando ele fora embaixador do Brasil em Assunção, Paraguai, e que uma “motiatia” com quem estava tendo um caso de amor lhe perguntou o que era saudade que ele lamuriava tanto. E Mário Palmério tentou lhe explicar o que acabou virando uma bela música que é interpretada - a primeira parte em castelhano e a segunda em português: “Se insistis en saber lo que es saudade/ Tendrás antes de tudo conecer/ Sentir lo que querer, lo que es ternura/ Tener por bien um puro amor, vivir/. Depués compreenderas lo que es saudade/ Después que hayas perdido aquel amor/ Saudade es soledade, melancolia/ Es lanjardia, es recuerdar, sufrir./ Se queres compreender o que é saudade/ Terás antes de tudo conhecer/ Sentir o que é querer, o que é ternura/ E ter por bem um grande amor, viver./ Então compreenderás o que é saudade/ Depois de ter vivido um grande amor/ Saudade é solidão, melancolia/ É nostalgia, é recordar,viver”.

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