quinta-feira, 22 de outubro de 2009











Fachada Café Central


As almas encantadoras do Café Central


Por Tadeu Nascimento

Tal qual uma sentinela, fico a observar as mudanças da cidade. Mais ainda o comportamento das pessoas. Aprendi com Lavoisier: Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Tudo se transformou. As ruas se modificaram, as casas também. Os prédios antigos cederam lugares aos novos. A moda mudou a indumentária das pessoas. Os “tipos”, quero dizer, as pessoas folclóricas simplesmente se evaporaram. As almas encantadoras das ruas, como diria Paulo Barreto, o João do Rio, vão se moldando aos novos “tipos” e à modernidade. O jardim central da Avenida Goiás emagreceu, tornou-se mais estreito para dar vazão ao trânsito. O Café Central (fundado em 1940) mudou de dono, se apequenou, se escondeu numa portinhola na Rua 7; a Pastelaria Real, que era a rainha da madrugada – onde seus súditos, depois dos bailes iam para seu último desjejum –, perdeu a majestade: fecharam suas portas para nunca mais; o Restaurante do Armando, com sua famosa feijoada, mudou-se para o Bueno e de lá para um lugar incerto e não sabido. O Bola Sete (salão de snooker) entrou numa sinuca de bico e fechou suas portas. O Restaurante O Grego não esperou a comunidade européia surgir e escafedeu-se. Um pouco acima do Grego, a melhor casa de pães até hoje instalada na cidade: a Panificadora Única dos irmãos Arnulfo, Sebastião e Alfeu Dourado. Ao lado – dos mesmos donos –, o refinado restaurante especializado em peixes, O Dourado, por motivo de saúde encerrou as atividades. O Magazine Central, onde se vendia a famosa camisa “Volta ao mundo”, não resistiu às voltas que o mundo dá e, sob o teto do Edifício Euclides Figueiredo (homenagem ao general, pai do ex-presidente), também fechou suas portas. Assim também desapareceram as Lojas Huddersfields, a antiga Drogasil, A Futurista, a Boutique Brasília, a Cinzel, a Ótica Vasques, Clark Calçados, a Drogaria Carmo (da esquina com a Goiás), A Jóia e A Jóia Lar, a Paulistinha Discos, A Imperatriz Calçados. O Mercado Municipal foi pra Rua 3 e perdeu, na mudança, todo o seu charme e a fórmula de fazer vitaminas (nunca se “tomou” tanta vitamina como naquela época e as lanchonetes vendiam às turras, principalmente a do Seu Alberto do Mercado, mas a campeã da cidade era A Fonte do Paladar). Do outro dado da praça, o Bazar Oió, o Hotel Bandeirantes e as boates Porão 47 e Terraço. Todas estas casas desapareceram. E com elas os “tipos” que davam vida ao lugar.

O Alemão da Banca, que por si só já era uma “figura” – com sua cabeça metade raspada-metade cabeluda em contraste com a barba metade cabeluda-metade raspada, tal qual um tabuleiro de xadrez –, administrava a maior banca de jornais de Goiânia. O Alemão (Francisco Lima Neto) morreu, assim como a sua banca (hoje, no lugar está uma banquinha). Morreu também meu amigo Dorvalino da Ótica Vasques que era um homenzarrão que adorava uma noitada. Figura inesquecível do Seu Antero com seu auto-falante percorrendo em passos cuidadosos o quarteirão do Café Central noticiando o prato do dia do Restaurante do Armando. Seu Antero usava um chapéu de pano e um par de óculos fundos-de-garrafa e acabou por tornar-se cego por completo e, mesmo assim, continuou o seu trabalho de locutor de rua. Ainda na minha memória o “Grandão” (Eurípedes Alves da Silva), engraxate que cumpria o seu ofício na primeira cadeira da Engraxataria Ami (Engraxataria da Rua 7), entabulava um ótimo papo, conhecia todo mundo e sabia de tudo. Todos estes já partiram para o além. Na minha retina voltada para o passado ainda estão lá na esquina da Av. Anhanguera com a Rua 7 o Alemão da Banca, Seu Antero e o Grandão.

Na Praça do Bandeirante acontecia de tudo. Coisas que não mais se vê. Naquele vão entre a Drogaria Carmo e o Minas Bank sempre estava – cercado por curiosos – a figura pitoresca e extraordinária (porque não?) do tirador de calos. E com ele duas ou três caixas com tampas de vidro exibindo – como troféus – as unhas espetaculares por ele tiradas. No chão, ali perto, uma mendiga portadora de elefantíase. Do outro lado, na porta do BEG, um festival mambembe do homem-da-cobra. E tira a jiboia da mala e põe a jiboia na mala (a cobra morava na mala; não existia o Ibama) e a deposita em seus ombros e a tira dos ombros e oferece a algum curioso e este pula para traz alargando a roda de gente e volta a serpente pra mala ao som de uma trilha sonora discursiva saindo de um microfone pendurado no peito do homem que não parava de falar. Era o marketing de vendas de seu remédio que curava tudo. De hemorróidas a espinhela caída. De pancreatite a sinusite, de dor de barriga a dor de ouvido: substância extraída do cipó da região do Pico da Neblina, lugar mais alto do Brasil. Era o tal de Elixir de Manduraciacaba da Amazônia ou outro nome qualquer do qual ninguém se lembrava dez minutos depois. Em frente o Banco da Lavoura (do outro lado da Praça do Bandeirante) sempre tinha um pastor evangélico de plantão a pregar o frescor do céu e o calor do inferno. Ali do lado, disputando o mesmo espaço, um líder estudantil pregava o socialismo utópico e expelia iras à ditadura. Ali perto, uma viatura da polícia e “os home da lei” fazendo de conta que trabalhavam.

Ciganos, vendedores de loteria, malandros, marchands de gado, agiotas, homens de negócio (não se usava a palavra executivo), estudantes, balconistas, pedintes, bancários, jornalistas, intelectuais, fazendeiros, donas de casa, desocupados, mordedores (aqueles que viviam mordendo a carteira de um amigo com o pedido pra comprar feijão pra família, embora sempre o dinheiro terminasse na mesa de bar ou de jogo) compunham o belo quadro social daquele pedaço mais importante de Goiás que era o Café Central.

Daquelas lembranças ainda restam em pé, a Engraxataria Ami, dos filhos do saudoso Alemão, a banca de revistas e a estátua do Bandeirante que um dia foi doada (e inaugurada), em 1947, pelos acadêmicos da Faculdade de Direito de São Paulo, entre eles os meninos Ulisses Guimarães e Jânio Quadros. Que também já se foram.

Um comentário:

  1. Oi! Gostaria de saber de que data é essa foto. Estou escrevendo uma dissetação e essa foto pode me ajudar. Mas necessito saber o autor da foto e a data. Isso claro, se vc topar que eu utilize.
    Por favor, escreva para dellcarmo@gmail.com
    Obrigada

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