sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

  


A mulher do vestido azul
 
Por Tadeu Nascimento

                    Incomoda-me muito ver alguém chorando. Ontem, em plena praça Tamandaré, nesse calor canicular de fevereiro, uma mulher de 30 e alguns anos chorava à sombra da  de uma sibipiruna na calçada da praça. Passaria despercebida, se não fosse pela sua beleza. Gastei alguns minutos- talvez uns dois ou três- olhando para aquela mulher que parecia ser personagem de um sonho.  Trajava-se com a classe de uma lady. Uma Princesa Diana na capital do cerrado. Embora com cabelos negros. Todavia trazia consigo a classe de uma alteza.  O lenço branco  enxugava as lágrimas. Lembrei uma frase de uma sábio que dizia: "Suas lágrimas secam as minhas".  O azul-anil do vestido contrastava com o cinto  e os sapatos brancos. Parecia ter saído de um quadro de Renoir. E eu atônito- a alguns metros daquela figura meio-anjo meio demônio- fiquei a imaginar a razão daquelas lágrimas. Morte na família? Fim de uma relação amorosa? Dor física? Dor de alma? Difícil adivinhar. Uma vez, em outro lugar da cidade, deparei-me com uma moça chorando a cântaros e de pronto me preocupei com ela e mais do que depressa, ousei perguntar-lhe:  "Moça, o que aconteceu ? Eu posso ajuda-la em alguma coisa?" E ela  respondeu: "Não... Eu estou... chorando...mas... é... de... felicidade!"
                       Voltando a mulher de azul. Queria me ausentar dali. Não é da minha conta, ponderei. Mas os meus pés não se moviam, meus olhos não descolavam daquela belíssima mulher. Os dois ou três minutos pareciam congelados. E no entanto, estava ciente que jamais saberei as causas de suas lágrimas. Queria ousar outra vez, agora com a mulher de azul: perguntar-lhe a razão, oferecer-lhe meu ombro.  Mas afinal, o que eu tenho com isso? Cada um que carregue sua cruz! E se ela também estivesse chorando de felicidade?- pensei tentando me libertar do seu fascínio. Será se ela fosse uma mulher qualquer, desprovida de qualquer beleza, de  glamour incomum eu ficaria tão encabulado como na tarde de ontem?  Será que eu só me preocupo com a estética dos outros? No caso, das outras. E o meu princípio humanista? Onde está minha caridade? Por onde anda meu espírito altruísta?
                       Por outro lado, se sou eu a chorar em via pública, alguma bela mulher viria ao meu socorro?
                       O som agudo de uma buzina me devolve à realidade.
                       E a vida continua... 


O vendedor de jornais

Lalau, um filho de Rio Verde


 Por Tadeu Nascimento

                                Lalau era um menino pobre e  trabalhador. Seu nome de batismo era Lauro Paulo Rocha e morava na rua Almiro de Moraes, próximo ao Hospital Evangélico. Lauro era filho do casal Eliezer José Rocha e Anézia Paula Rocha. Pois bem, esse rapaz sofria de um mal que o afetou mentalmente pois sua fala era embolada tal qual a de uma criança de 3 ou 4 anos, que o qualificava, segundo a psiquiatria, como especial. Mas tinha uma vontade férrea para o trabalho. De domingo a domingo. Vendia jornais na parte da manhã; maçãs e pirulito de tabuleiro no vespertino; à noite, chocolates e outras guloseimas. Também vendia picolés da Kibon numa caixa de isopor (para o prof. Sherlock Holmes da Silva à época, represente da Kibon em Rio Verde, situado à  Rua Henrique Itiberê). Em todos os eventos lá estava o humilde Lalau defendendo o seu ganha-pão! Lalau era um menino alegre e dócil. Era um dos exemplos raros de almas inocentes e puras. Talvez seja a razão de sua breve passagem por essa vida. Seu carma, acredito, não foi pesado, apesar de trágico desfecho. Hoje estaria à beira dos 60 anos. Meu pai, o velho e bom prof. Clóvis, dizia que todos aqueles que tinham curtas vidas terrestres  eram almas boas e  que tinham poucas coisas a pagar nesta encarnação.
                                Naquela época o Clube Rioverdense passava por uma reforma quase que total. O seu presidente era o saudoso Dr. Ricardo Campos Sobrinho, mais conhecido como Tim Campos, o histórico Rei Momo de Rio Verde. Por conta disso, os bailes se realizavam nas instalações do Bar do Presídio (Presídio era o nome do proprietário) também na Rafael Nascimento. O carnaval de 1969 fora ali.  Foi na segunda  noite de momo, mais precisamente no dia 16 de fevereiro que ocorreu a tragédia. Uma contenda entre dois cidadãos- um deles de origem nordestina- terminou em tiroteio. Uma bala "perdida"- não existe bala perdida, pois toda bala foi feita com o propósito de tirar a vida!- atingiu o coração de um inocente menino que apenas observava os foliões no salão.  Lalau quedou-se pra nunca mais. E Rio Verde perdeu um jovem trabalhador. E o carnaval que seria  de 4  noites terminou naquele momento. Quanto a responsabilidade criminal pouco se sabe.
                               Lalau desencarnou-se no desabrochar de seus 15 anos. Seu carma foi leve e curto, talvez por ter sido uma alma nobre, posto que era desprendida de qualquer maldade.
                               A  vida não é só alegria de carnaval; na verdade é mais tristeza de quarta-feira de cinzas.




      


Juju Pé-de-cana e a secura da lei Seca                     
           
Por Tadeu Nascimento
 
                                   Juvenal Cipriano, mais conhecido como Juju  Pé-de-cana, foi barrado numa Blitz da Lei Seca. Vinha ele da região mais etílica do Setor Marista, lá pra duas da madruga, a procura de um outro boteco, agora  no último reduto de cachaceiros, no  Jardim América, afim de dar acabamento na sua tontura. O policial, depois de ordenar o nobre embriagado a parar o veículo, o cumprimentou com um impessoal "boa noite" e lhe  perguntou se ele havia ingerido bebida alcoólica e Juju tentando passar por sóbrio, saiu com essa:
                                      - Quem, eu? Eu não, seu guarda, eu não bebo, a minha religião não permite!- no entanto, seu bafo exalava aroma de destilaria.
                                      O policial quase nauseado com o vapor quente vindo da goela de Juju, lhe disse:
                                      - O senhor concorda  soprar o bafômetro?
                                      - Como?
                                      - O senhor aceita soprar o bafômetro?
                                      - Muito obrigado seu guarda! Eu não bebo, não fumo, não cheiro e nem sopro esse troço que o senhor acabou de falar!
                                      O soldado, que também era simplório, entendeu que  o condutor estava zombando com  a sua cara, determinou:
                                      - Se o senhor não soprar, "o senhor vai preso" por que o senhor está dirigindo embriagado e vai ter que resolver o problema  na delegacia!
                                     - Que isso, seu guarda, não faça isso comigo! Eu tenho família!...
                                     - Eu também! E só estou cumprindo a lei!
                                     - Graças a Deus, né, seu guarda!
                                     - O senhor não sabia que é proibido dirigir depois de ingerir álcool?
                                     - Seu guarda, eu não ingeri, não engoli  e nem bebi álcool algum! Eu já disse para o senhor: eu não bebo! Eu juro!
                                     - Por favor, o senhor saia do veículo!
                                     Depois de olhar para o documento do veículo, o guarda continuou:
                                     - Mas o senhor está bêbado, quase caindo-  senhor Juvenal!
                                     - Quem, eu?
                                     - O senhor mesmo! E o senhor terá seu carro apreendido e terá que ir na nossa viatura para delegacia!
                                     - Mas seu guarda, não faça isso comigo, eu tenho família!...
                                     - Ordem é ordem, e eu não posso fazer nada! O senhor resolve com o delegado, lá na delegacia!
                                     Entendendo que a vaca foi para o brejo, Juju Pé-de-cana só enxergou uma saída: a do  caminho da propina:
                                     - Seu guarda, quebra essa pra mim, pelo amor de Deus! O que o senhor precisar nessa vida eu ajudo o senhor!
                                     O guarda com a sua merreca de salário, o Natal na semana seguinte e ele sem dinheiro para presentear a mulher e os filhos, pensou em aproveitar a oportunidade e fazer a feira! Mas se fez de difícil: "A multa é alta, então deve render uma boa grana, mas não posso dar uma de facinho! Ele vai ter que se espernear mais um pouco!" E o Juju  Pé-de-cana, à beira do desespero, apelou:
                                     Não vai me dizer que o senhor nunca dirigiu com uma cachacinha na cabeça?
                                     E a conversa estava caminhando para a desmoralização quando o "seu guarda" quis resolver as questões de ambos. A do infrator etílico e a dele, o desprovido de grana para o Natal:
                                    - Tudo bem, seu Juvenal...
                                    - O senhor pode me chamar de Juju  Pé-de-cana!
                                    - Juju Pé-de-cana? Com esse nome,  quer ainda  que eu quebre essa para o senhor? Quando o delegado souber do seu apelido, ai sim, o senhor, além de ter o carro apreendido, ser multado em R$1.915, 00, ainda vai pegar uma cana arretada e só vai sair de lá depois de pagar uma fiança de lascar o cano! !
                                   - Mas seu guarda, o senhor e eu estávamos indo tão bem!..
                                   - Vamos deixar de conversa! Vamos ao que interessa: quanto o senhor pode me dar de presente?
                                   - Presente?
                                   - Presente, grana, dinheiro!
                                   - Ah... dinheiro!.. agora o senhor falou a minha língua!
                                   - Quanto? - sussurrou impaciente o guarda- para que ninguém percebesse a propina.
                                   - Toma aqui, seu guarda..
                                   E o guarda, falando quase inaudível, continuou:
                                   - Devagar, devagar.... primeiro eu vou lhe passar o documento e o senhor me devolve o mesmo documento com o dinheiro por baixo!
                                   E Juju devolveu-lhe o documento junto com a propina sem que ninguém percebesse.
                                   E o guarda quando viu a quantia, esbravejou com os dentes travados:
                                   - Que isso? Só cinquentinha, seu cara de pau?- devolvendo novamente o documento-  Isso não dá nem para uma garrafa de vinho!
                                   - Mas dá pra uma garrafa de pinga, seu guarda! Ah... ia me esquecendo, seu guarda: se beber não dirija! E cuidado com as blitz! Feliz natal, seu guarda! Feliz natal!