quarta-feira, 23 de junho de 2010

Rua Rafael Nascimento

Rio Verde - GO


A primeira vez e o primeiro porre a gente nunca esquece


Por Tadeu Nascimento

A primeira vez e o primeiro porre são como- para as mulheres- o primeiro sutiã, a gente nunca esquece. Assim diria Washington Olivetto. No caso delas- da primeira relação- sabem o nome, o sobrenome do cidadão e jamais se esquecerão do dia, mês e ano. Podem até demorar alguns minutos, esmiuçando a memória, mas logo se lembrarão dos detalhes. Já para os homens, a coisa é bem diferente: lembram-se que fora com uma empregada de sua casa ou da vizinha e não tem a menor idéia do nome e nem se lembra como era ela; ou ainda, que fora com uma amiga de uma irmã que caidinha por ele e se deixou levar e a coisa aconteceu. Poderá até lembrar do nome da "vítima", porque a irmã atirou-lhe na cara por diversas vezes,- ameaçando contar para os próprios pais- mas não sabe o sobrenome e muito menos a data. Ou ainda, que foi num bordel, levado pelo irmão mais velho. Estou me referindo a coisas de trinta anos ou mais, porque hoje, a coisa é bem estranha. O cidadão nem sabe o que fez depois que saiu da boate. Ela muito menos.
No meu caso, a primeira vez não houve nada de diferente: Tímido, com 13 anos, mas com testosterona saindo pelas orelhas e, com os amigos contadores de vantagens que sustentavam que já haviam experimentado o sexo oposto- naturalmente, eu me sentia muito desconfortável, por só ficar na vontade. Primeiro filho, não tinha irmão mais velho, a quem recorrer. Então, um dia, resolvi dar um basta na precisão. Trabalhava, no cinema de minha avó, em Rio Verde, um amigo da família, de nome Evilázio com quem tinha horas de papo e um dia, provoquei um assunto que se referia a sexo. Ele desconfiado da conversa sem-pé, sem-cabeça, perguntou-me se eu já havia me deitado com uma mulher e eu, para me manter na condição de machão- disse-lhe que sim. O que era uma tremenda mentira. E ele me disse " Então, vamos mais tarde à putaria?!"- desafiando-me a ir junto. Meus pais estavam em Goiânia. Lá fui eu, com as pernas tremulando.
Lá chegando, adentramos numa casa onde estavam seis ou sete mulheres bebendo em meio a fumaças de cigarro, sob uma luz pálida. Evilázio, experiente na arte da putaria declarou a todas:
- Este meu amigo, é virgem! Quem quer tirar o cabaço dele?- perdoa-me, o leitor, pela vulgaridade das palavras, mas era o linguajar do lugar e da época.
Risos à parte, uma mulher, de pele clara, cabelos loiros, quarentona que para época, seria o equivalente a sessentona de hoje- pois estava um tanto desgastada- de pronto e em alto e bom som, gritou:
- Eu!- E levantando-se da cadeira, pegou-me pelas mãos: "Vem cá, meu anjo!" E me arrastou para um quarto escuro e sob uma luz azul ainda mais pálida- não era a luz negra de hoje, mas uma lâmpada pintada de azul- e começou a se despir e eu tremia com uma vara verde... Quando vi a mulher toda nua, só pedi que Deus me ajudasse e Ele piedosamente me ajudou. De lá, saí com o ego maior do que uma jaca! A partir daí, fiquei em paz comigo! Não sei o nome dela, não me lembro do seu rosto, da data da aventura libidinosa e nem de mais de algum detalhe, mas o preâmbulo do acontecido está guardado no mais recôndito de minha memória.
O primeiro porre, 1969. Tinha eu 15 anos e havia mudado para Goiânia para cursar o científico no Ateneu Dom Bosco. Na Semana Santa, eis me de volta a Rio Verde como um rapazinho metido a moderno: os cabelos descendo pelas orelhas, roupas da moda e sapatos mocassins (cidade grande vende ilusões para o interiorano!) Havia um bar na Rua Rafael Nascimento que era o bar da moda, de então. Ali, enveredei-me com alguns amigos, com algumas garrafas de cerveja e me esqueci da hora e da rigidez da educação de meu pai. Nunca havia chegado em casa depois das dez e já se passava da uma da manhã. Não mais que de repente, meu pai, chega ao bar, de pijama, e me chama com a voz nada amigável. Levantei-me, tonto, e fui ao seu encontro. Tentei dialogar com ele com a voz enrolada e com o bafo pra lá de alcóolico. Não tive guarida. O amigo e doce professor Clóvis, transformou-se numa fera e levou-me para casa, carregando-me pelas orelhas. Cheguei a ficar alguns centímetros acima do chão- diziam meus amigos que viram- às gargalhadas- meu pai me guiando pelas orelhas! Um vexame total e inesquecível! Até hoje, meus amigos ainda zombam de mim por este vexame. Não me importo, era o meu pai! E que saudades tenho dele! E assim, entre estas e outras lembranças, fui me tornando o homem que hoje sou.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pai e Filho
Ao Prof. Clóvis Leão de Almeida

Por Tadeu Nascimento


Meu pai querido,
Onde está você? Olho para todos os lados e não o encontro, neste momento mais difícil da minha vida! Você que sempre me socorria, onde estava no momento em que eu me vi -totalmente impotente- diante de minha mãe que se exauria nos meus braços? Naquele momento de desespero eu me lembrava o quanto você, doente, dizia que quando estivesse do "outro lado da vida", iria ajudar muito a minha mãe- como se tivesse íntima ligação com os santos ou com as entidades espirituais! Pois é, somente você, pai, poderia, agora, dar-me força e coragem para enfrentar a vida. E a causa deste socorro é justamente a ausência da pessoa com quem você mais conviveu: ela, a Zaira, sua amada, sua flor de maracujá. Foram 54 anos de casados. Você se foi e ela passou a chorar, às escondidas, pelos cantos da casa! Pôxa, pai, quando você se foi, me agarrei nas saias dela, para suportar a sua ausência! Agora, preciso de você, justamente porque perdi a pessoa mais importante da minha existência: a minha mãe, a sua companheira!
Que faço eu, agora? O que devemos fazer agora, eu e os seus outros 5 filhos, seus 10 netos, que vivíamos sob a tutela carinhosa de sua companheira? Você partiu para outra dimensão e ela se desdobrou-se em zêlo para comandar a família!
A Rua Rafael Nascimento não tem mais graça. Ficou um imenso vazio. Era uma rua que por décadas, tinha as marcas da alegria. Agora é uma rua de saudades. Nâo tem mais Avó Tília, Tia Olga, Tio Iron, Tio Itu, Tia Marilene, a Rafaelita. Todos partiram. A cadeira que você sentava no Calçadão e que a minha mãe passou a ocupar, foi recolhida- para todo sempre- para o último cômodo da casa! Como a vida é dura!
Estou ilhado neste mundo de pretéritos. Restam-nos os exemplos, os ensinamentos e a saudade de vocês dois. Duas pessoas que viveram exclusivamente para os filhos. Contudo, aceito com resignação os desígnios de Deus. Ninguém tem destino diferente. A morte é a única certeza. Mas com toda minha tristeza, devo lhe dizer: foi uma honra tê-lo tido, como pai! Um homem doce, generoso e de paz. E foi uma felicidade ter tido uma mãe que tive. Um ser maravilhoso, que só agora, entendo a sua grandeza! Um presente de Deus.
À minha frente, está uma fotografia sua, todo garboso de terno e gravata, bigodinho à Clark Gable, dedicada à minha mãe, onde você subscreveu: "À Zaira, para que nunca se esqueça do seu Clóvis". Você tinha 22 anos, ela 15. A história de vocês- que se perpetuará nos seus descendentes- é coisa do destino!
Você sempre dizia: "A vida é feita de momentos!" Realmente, confirmo eu. Passamos momentos maravilhosos enquanto vocês dois estavam conosco! Lembra-se das Bodas de Ouro de vocês dois, comemoradas no Hotel Kanachuê em Goiânia? As fotografias revelam como éramos felizes! Pois é, pai, o tempo é implacável! E este momento é um dos mais difíceis pelos quais, já passei.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Mãe e Filho

Aos órfãos do mundo

Por Tadeu Nascimento

Existe uma distância imensa entre a perda do próprio pai ou da própria mãe e a dor de um amigo, quando este perde um dos seus genitores. A distância está em viver na pele, a profunda dor. E a ordem natural das coisas é os filhos enterrarem seus pais. Pobre Maria que viu seu filho morrer na cruz! Mas também é imensamente triste, ver/sentir uma criança de 5 anos que não tem mais a mãe. Não é o natural da vida, a criança "enterrar" a mãe! Sigmund Freud dizia: "O homem só se torna adulto quando perde o pai!" Trata-se de uma alusão ao filho de não mais responder pelos seus atos a mais ninguém, a não ser a si próprio. Mas Freud não se refere o tempo da infância e sim, o da maturidade. No entanto, a perda da mãe é uma catástrofe: empobrece de amor o homem, pois é uma dor ainda mais intensa, indescritível e desoladora que tira muito da alegria de viver do filho. Nesta crônica que dedico a todos os órfãos, quero falar justamente da perda da mãe.
O romper do "cordão umbilical da existência" entre a mãe- que morreu- e o filho é como tirar de um ser o próprio chão. É como um astronauta do lado de fora da nave e por algum motivo, se rompe o cordão que unia os dois, o astronauta e a cápsula espacial. Há de se ficar à deriva no espaço. Perdido no infinito azul, sem jamais voltar à terra que também é mãe. É como barco sem porto, um passarinho sem ninho. Um filhote de leão, perdido da mãe, sai pela floresta, triste, sem rumo, sem norte. Indefeso, mal sabe ele a força e ferocidade que um dia, seria capaz. Eu não estou imune a esta dor. Há quase 5 anos perdi o meu pai. Um pai generoso e um grande amigo. Perdi a minha mãe recentemente. Uma mãe maravilhosa e uma mulher de fibra! Contudo, a dor da perda de quem me gerou no ventre, foi mais grave.
Não sei onde está o meu norte. É difícil aceitar, compreender que eu não tenho mais mãe. Só sei que- pelo resto da vida- quando estiver a sós e a saudade bater, muitas lágrimas derramarei.
Desde o surgimento da humanidade o homem busca a mãe: Não é inglória a frase "Eu quero a minha mãe!" O poeta Gabriel Nascente no final da década de 80, estampou em out-doors na cidade, uma frase, para mim, inesquecível: "Mãe, dá um jeito no mundo!" Quando o perigo se aproxima, nada mais forte que a proteção da mãe. O substantivo mãe, abarca muitos significados: proteção, alimento, afeto, sacrifício, etc. O escritor russo Máximo Gorki em sua maravilhosa obra "Mãe", retrata o que uma genitora é capaz de fazer pelo filho. Pelaguea Nilovna, uma senhora idosa, simplória, distribuía panfletos pró-comunismo nas portas das fábricas de Moscou, contra o Czar, sem saber do que se tratava, embora soubesse do tamanho perigo que corria, tudo por amor ao filho que militava contra o governo. Somente a mãe é capaz de oferecer a própria vida em holocausto para salvar a do filho: aos poucos vai percebendo o ideal revolucionário que vivia o filho. Quando este é deportado, a mãe toma seu lugar para dar continuidade à luta.
Hoje sou mais um órfão no mundo. De acordo com Freud, tornei-me adulto. Um adulto que não passa de um menino triste que quer- mais do que nunca- a mãe. A saudade lateja no meu peito. A certeza de nunca mais ver, abraçar, beijar- quem me trouxe ao mundo, dói-me n'alma. Uma dor imensa e profunda. Nunca imaginei que seria tão difícil passar por esse momento. Quem tem a felicidade de ter mãe, deve vivê-la na sua plenitude, porque um dia há de se acabar. Como disse um primo, também órfão: "A gente, se torna órfão, não quando se perde o pai, mas quando se perde a mãe!" É quando se perde o colo de quem mais o ama! Eis uma das razões que o ser humano, não mais que de repente, se aparenta ter envelhecido muito, num breve espaço de tempo.
Carlos Drumond de Andrade em seu poema "Para Sempre" sensibilizou-me: "Por que Deus permite que as mães vão embora?/ Mãe não tem limite,/ É tempo sem hora,/ Tempo que não apaga quando sopra o vento/ E chuva desaba./ Veludo escondido/ Na pele enrugada,/ Água pura, ar puro/ Puro sentimento./ Mãe na sua graça é eternidade/ Porque Deus se lembra/- mistério profundo-/ De tirá-la um dia?/ Fosse eu o rei do mundo,/ Baixava uma lei:/ Mãe não morre nunca!/ Mãe ficará sempre junto ao filho/ E ele, velho embora,/ Será pequenino com um grão de milho.
E sobre a dor, o mesmo Drumond escreveu: "Não, meu coração não é maior que o mundo./ É muito menor./ Nele não cabem nem as minhas dores./ Por isso gosto tanto de me contar./ Por isso me dispo,/ Por isso eu me grito,/ Por isso frequento os jornais, me expondo cruamente nas livrarias: preciso de todos."
Órfãos do mundo: agora sou mais um, entre vocês, a pertencer a esse triste "Bloco (que sobrevive) da saudade", pois meus risos nunca mais serão libertos, minhas palavras terão um "que" de incertezas e o meu coração não deixará de se alimentar de saudades.