sexta-feira, 28 de março de 2014

                  

O colecionador de versos (2ª parte)

 Por Tadeu Nascimento

              Há cinco anos  publiquei trechos dos mais belos versos da Música Popular Brasileira  que havia colecionado até então. Passado esse tempo continuo juntando, só que pouco consegui acrescentar. Algo novo e belo é raro, posto que a beleza está ligada a emoção. E o verso não foge a regra. A bem da verdade, criar é muito difícil, imagine algo inusitado! É mais fácil colecionar versos de músicas mais antigas que ainda não haviam sido por mim catalogados. Ex: " Há seis mil anos o homem vive feliz/ Fazendo guerras e asneiras/ Há seis mil anos Deus perde tempo/ Fazendo flores e estrelas" da canção "Olha o menino" de Jorge Bem Jor interpretada por Caetano Veloso. A belíssima "Se eu quiser falar com Deus" de Gilberto Gil:"Se eu quiser falar com Deus/  Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão/ Tenho que lamber o chão/ Dos palácios, dos castelos/ Suntuosos do meu sonho/ Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/ E apesar de mal tamanho/ Alegrar meu coração". Se você, leitor, não conhece essa obra prima, ouça, pois mais do que arte é uma oração. Pulando do chão comportado para o chão agitado do Sambódromo: "É hoje", o samba-enredo da União da Ilha do Rio de Janeiro de 1982- que depois se eternizou na voz de Caetano Veloso- um dos melhores sambas da história: "Minha alegria atravessou o mar/ E ancorou na passarela/ Fez um desembarque fascinante/ No maior show da terra..." 
             À época da ditadura o grupo MPB 4 gravou de Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudim "Pesadelo" que era uma respostas aos militares: "Você corta um verso/ Eu escrevo outro/ Você me prende vivo/ Eu escapo morto/ De repente olha eu de novo".
             Outra vez Caetano- aliás, sempre Caetano: "Eu queria quere-te amar o amor/ Construir dulcíssima prisão/ Encontrar a mais justa adequação/ Tudo métrica e rima/ Nunca dor". A canção leva o nome de "O quereres". Zé Ramalho também lavrou um tento  quando compôs e gravou  "Entre a serpente e a estrela'': "Há um brilho de faca/ onde o amor vier/ E nem sabe o mapa/ Da alma da mulher". E logo adiante: "Um grade amor do passado/ Se transforma em aversão/ E os dois lado a lado/ Corroem o coração/ Não existe saudade/ Mais cortante/ Que a de um grande amor ausente/ Duro feito diamante corta a ilusão da gente." Belíssimo, não é?
             De lá para cá poucas coisas boas surgiram. Marisa Monte no seu último álbum gravou de sua autoria- para mim, mais bela canção de 2013- "Depois", que diz: "Depois de sonhar tantos anos/ De fazer tantos planos/ De um futuro pra nós/ Depois de tantos desenganos/ Nós nos abandonamos como tantos casais/ Quero que você seja feliz/ Hei de ser feliz também/  "Depois de varar madrugada/ Esperando por nada/ De arrastarmos no chão/ Em vão/ Tu viraste-me as costas/ Não me deu as respostas/ Que eu preciso escutar/ Quero que você seja feliz/ Que eu seja melhor/ Hei de ser melhor também". O excelente e polêmico compositor Caetano Veloso gravou recentemente "O Império da lei" que diz "O império da lei  há de chagar/ no coração do Pará/ Quem matou meu amor há de pagar/ O império da lei há de chegar lá/ Quem matou meu amor há de pagar/ E ainda mais quem mandou matar"- Trata-se de uma alusão a tantas  mulheres que tiveram seus amores/maridos assassinados a mando de fazendeiros  no Pará". 
            Mas Raimundo Fagner gravou na década de 90, um dos mais belos versos que conheço compostos pela poetiza portuguesa Florbela Espanca (lindo cognome!): "Minh'alma de sonhar-te anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver/ Não és sequer razão de meu viver/ Pois que tu és já toda minha vida". O nome dessa obra prima é "Fanatismo".
            Enquanto muitos se vangloriam por colecionar armas de fogo, eu me orgulho em colecionar versos!

sexta-feira, 21 de março de 2014

 Vinicius, um grande boémio

Acho que em outra encarnação nasci na Boêmia 

Por Tadeu Nascimento

                                 O estudo da origem das palavras é  fascinante. Por isso a etimologia é uma das minhas paixões. Quase sempre anoto em um caderno quando descubro algo cuja origem (ou razão do nome),  é pitoresca. Aliás, a palavra "algo", por exemplo, originou o antigo vocábulo usado em Portugal no tempo dos descobrimentos"fidalgo", que significava filho de algo, de alguém importante. Uma das mais interessantes origens é a do verbo "assassinar", que, para meu espanto, tem origem na palavra haxixe, droga oriental. Mas o que tem haver? Acontece que a época da Guerra Santa os mulçumanos ingeriam haxixe para criar coragem para matar os cristãos. O ato de ingerir haxixe passou a se chamar "axaxinar", que  logo se tornou assassinar. Surpreendente, não? Outros exemplos: a fruta manga, que acreditamos ser nativa do Brasil,  é originária da Índia, e o nome vem do latim manjare, que significa comer aos pedaços, daí seu  nome científico "manjífera índica". A "morfina", anestésico para intensas dores, vem da palavra Morfeu, o deus do sono. A palavra pêsames, claro, vem de pesar, mas o sentido passa-se despercebido: "Pesa-me o seu sofrimento!", o que significa "Causa-me tristeza o seu sofrimento!".
                              Mas existem palavras, cujas origens, são ainda mais interessantes. "Histeria" também surpreende: para medicina antiga era psiconeurose específica das mulheres. Caracterizada pelo descontrole das emoções, nasceria no útero, e por isso o nome "histeria", uma vez que "útero", em grego, é hystéra. Hysterikós, por extensão, é aquele- inclusive do sexo masculino-- que se mostra nervoso, ansioso, irritado. Outro: "pássaro" é sinônimo de ave. Este nome vem do Latim passer, "pardal", o qual abundava em Roma e vizinhanças. Tanto o usaram que acabou pegando para designar aves em geral", embora a rigor, se refira a uma das ordens das aves. "Horizonte": o termo deriva do substantivo horos (limite, em grego) e do verbo horizein (separar, limitar).  Até hoje, para o homem comum, horizonte é a linha que separa o céu da água ou da terra. A palavra "problema": etimologicamente, significa lançar-se à frente, pois surgiu do prefixo grego pró, diante, à frente, mais bállein, pôr, colocar, lançar. Daí o sentido de algo que precisa ser transposto. No latim, gerou propositum (pro, com o mesmo significado do grego, e positum, posto, colocado).
                            "Libertino":    a princípio, era o filho de escravo liberto, depois, tomou o sentido de libertados dos preceitos da moral e da religião, e daí devasso, imoral, despudorado, dissoluto. Negócio, vem latim: a negação do ócio. Guru, vem do sânscrito: "gu" significa trevas (conhecimento) e "ru" aquele que tira. Em suma: guru é aquele que dissipa as trevas. Testículo: diminutivo do latim "testis", que  significa "Pote de pequeno tamanho" Imagine, o leitor, se testis já pequeno, imagine o seu diminutivo.
                            "Boêmio". Essa palavra nos veio do francês bohémien. Supunha-se, claro, que  viria de uma região chamada Boêmia. Mas onde fica a Boêmia? A verdade é que os franceses usavam essa palavra para designar os ciganos oriundos da Boêmia, região da antiga Tchecoslováquia, que gostavam de festas noturnas, de cantar, dançar, sem preocupação com o dia seguinte. O sentido dessa palavra depois generalizou-se e passou a indicar qualquer pessoa que tivesse esses hábitos. E foi com esse sentido geral que ela entrou na língua portuguesa.
                              Vivendo e aprendendo.