quarta-feira, 27 de janeiro de 2010


Dona Edvirgem em Caldas Novas

Por Tadeu Nascimento

Edvirgem trabalhava no Departamento Pessoal da Secretaria de Educação. Muito tímida e recatada, parecia uma freira franciscana, uma missionária de igreja de crente. Tudo seu era antiquado, até o próprio nome.Trajava-se sempre com um vestido que batia no meio das canelas, cabelos presos em coque e um par de óculos fundo de garrafa que garantiam a indiferença sexual dos homens da repartição. Aliás, era um ser que não era notado por ninguém. Quase não falava, apenas respondia sim ou não. Fazia o seu trabalho e voltava pra casa. Ninguém da Secretaria a viu na rua, num shopping, num bar.
Eis que chega o feriadão da Semana Santa e os funcionários da repartição armaram uma excursão pra Caldas Novas. Saíram quarta-feira depois do expediente com o propósito de voltarem domingo no fim da tarde. Dona Virginha (assim os maldosos da sala se referiam a ela, principalmente Maurinho Língua Preta) estava lá, na penúltima poltrona do ônibus, no recôndito de sua modéstia. Chegando no hotel, cada um foi para o seu apartamento e logo depois foram pra piscina. Virginha, não apareceu. Ninguém notou. Na manhã seguinte, com o sol disposto a arder nas peles de quem ousasse a desafiá-lo, já estavam agarrados nos copos de cerveja, Osvaldo Portela, Chico Barriga, Paulinho Fuxiqueiro, Edilson do Almoxarifado e Mauro Língua Preta. Todos solteiros, melhor, um viúvo, dois divorciados e dois solteirões de fato e de direito. Algumas senhoras subiam a escada que dava acesso às piscinas que ficavam num elevado onde os colegas cervejeiros já estavam fofocando sobre como seriam as siluetas quase nuas das nobres colegas da sala. A Marcela, tanajuricamente esplendorosa, a Silvinha com sua cinturinha de pilão, a Adriana com seu 1,75 m de puro filé, a Roberta com seu marido cara de touro bravo, a Dona Angélica com aquele corpinho de armário desmantelando, a Dona Hortência com seus quatro endiabrados filhos. Todas estavam no prato da discussão. Ninguém se lembrou da Virginha, a assexuada.
Não mais que de repente, sobe as escadas um ser que foi se surgindo aos poucos: primeiro um chapéu branco com uma flor vermelha presa ao mesmo chapéu, depois os cabelos negros e soltos sobre um rosto rosado que se harmonizava com um par de óculos escuros da última moda, a boca- ligeiramente aberta- vermelha (do batom) fazendo par com a flor do chapéu. Continuava a surgir: o pescoço de gazela e suas saboneteiras, depois o colo dos seios, o umbigo, as pernas imantadas com um minúsculo biquini branco sobre um par de tamancos que faziam a trilha sonora da sua estréia. Todo mundo pálido de espanto. Era Afrodite, a deusa da beleza, em carne e osso? Quem será esta musa? A Ava Gardner do cerrado? Quem é essa ma-ra-vi-lha?! Perguntaram uns aos outros, ainda estupefatos. Dona de si, sem olhar para os lados, nariz empinado, ela passou altiva, quase com desprezo perante os reles mortais. Os homens hipnotizados, as mulheres mortas de inveja. Sentou-se numa cadeira virada para o sol e de costas para humanidade ali presente. Assim ficou. Às vezes passava o filtro solar, sempre de costas para a platéia, que se extasiava tamanha delicadeza com que escorregava o creme nas nádegas, nas coxas, nas saboneteiras. Ninguém ousou assediá-la, todos se achavam ridículos diante de tamanha beleza. Tomou um suco de abacaxi com hortelã. Abriu um livro e duas horas depois se levantou e se direcionou para escadaria e desapareceu.
À noite, o assunto era a deusa misteriosa. Depois de muita conversa, alguém perguntou por Edvirgem. "Edvirgem ficou no apartamento, lendo"-disse Dona Aurora, a mais velha da excursão. No outro dia a história se repete e a deusa retorna à área das piscinas, senta-se de costas para todos, se bronzeia, bebe seu suco e desaparece. Quem é ela? Em qual ao apartamento ela está? "Nem o gerente sabe! Eu perguntei a ele."- respondeu Edilson do Almoxarifado. A história se repete na manhã de sábado.
Veio a noite e o Forró do Sábado de Aleluia também. Todos no salão. Quem aparece como numa mágica? Ela! Belíssima! Com um vestido colorido com um palmo acima dos joelhos, uma flor nos cabelos e pra surpresa de todos, foi em direção a mesa dos servidores da Secretaria da Educação.
-Boa noite, Seu Osvaldo! Boa noite, seu Chico! Boa noite, seu Paulo! Boa noite, seu Edilson! Boa noite, seu Mauro!
Parece que é Edvirgem- Todos pensaram- novamente pálidos de espanto.
-Vocês não estão me reconhecendo? Sou a Edvirgem, a Virginha como todos vocês me chamam!
Todos mudos. Quase retardados.
-Com licença, vou dançar!- Virou-se pra pista enquanto todos olhavam o seu andar esfuziante e rebolante como uma potranca livre no campo. Passa-se alguns minutos, ei-la pendurada nos beiços de um loiro. Meia hora depois, dançando enroscada nas pernas de um moreno que se contorcia todo. Outro tempo igual, ela mordendo os lábios de um boyzinho que passava a mão abaixo dos seus quadris enquanto ela parecia deliciar-se com a audácia do moleque. Fim de festa. Edvirgem chega bem perto dos colegas de trabalho e decretou:
-Seus incompetentes! Seus Brochas!
Segunda-feira na repartição. Dona Edvirgem, com seu vestido batendo abaixo dos joelhos, de coque, óculos fundo de garrafa- agora, ex-Virginha- foi a última a entrar na sala. Silêncio total. E Edvirgem:
-Bom Dia!
Silêncio absoluto. Silêncio absoluto. Absoluto.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


A bela Heloisa

Abelardo e Heloisa


Por Tadeu Nascimento





Heloísa estava toda-toda orgulhosa de si: acabara de receber o seu diploma de odontóloga. Vinte e três anos, loira, olhos verdeados, bunda empinada e sol-tei-ri-nha da silva. Os pais vivem no interior e ela não mais reside em pensionato, mudou-se para um apartamento alugado de dois quartos em setor nobre da cidade. Único probleminha era acertar no trabalho. Trabalhar em uma clínica odontológica ou associar-se a um dentista já estabelecido, com clientela, dividindo o lucro até conseguir comprar o seu consultório. Aí sim, tudo estaria perfeito.

Quis o destino que Heloísa conhecesse Dr. Abelardo Prata. Profissional com 30 anos de experiência, professor em faculdade, estaria interessado em ceder um turno, no seu consultório, a outro profissional. Divorciado, com idade rompendo o “meio dia para tarde” era especialista em tratamento amoroso e coisas afins em pós-balzaquianas convictas e conscientes. Sabia que não tinha mais habilidade comunicativa com as mulheres cheias de brilho da juventude, embora tivesse a ilusão de que poderia disputar com qualquer rapaz de 20 anos. A questão é a aparência de sessentão que não ajuda. Sem chance. Restava-lhe trafegar nos terrenos um pouco mais acidentados das rugas, lombadas e planícies longas e sem curvas das mulheres de 50.

Para Heloísa o trabalho se encaixou bem. Para Abelardo não era bem assim. A graciosidade da nova sócia estava lhe tirando o sono. Aquela pele rosada, a boca com um batom também cor de rosa, contrastando com um sorriso imensamente branco, a blusinha branca, a calça também branca, transparecendo a minúscula calcinha angelicamente branca. Tudo fincado nas sandálias de salto 8 cm também brancas que sustentavam dois pesinhos tamanho 36, com unhas perfeitamente pintadas em tom rosa. Uma combinação celestial. Seria um anjo de férias trabalhando em sua companhia, ou seria o capeta desafiando a sua libido?

Os dias se passam, mas a fixação de Abelardo por Heloísa não passa. E aumenta a cada dia. O máximo foi conseguir levá-la para almoçar num restaurante “por quilo” e após três meses, tomar um chopinho no bar mais badalado da cidade. O cérebro de testosterona de Abelardo arquitetava: era preciso urgentemente levar Heloísa para cama! Abelardo virava a noite rolando na sua king size pensando em Heloísa. Ela, nem tium. Quando ele insinuava alguma coisa relacionada a sexo, ela escorregava que nem enguia.

Certo dia foi trocar idéia com Renatinho, seu sobrinho, um mala de primeira grandeza: pediu-lhe a receita de como levar Heloísa pra sua cama king size com lençol branco de 300 fios de algodão egípcio legítimo, cheirando a alfazema, sob a meia luz de um abajur sobre o criado mudo.

-Simples, tio: leve ela a um barzinho ou choparia e dê a ela duas margaritas e uns três chopes! Ela vai gostar muito e sem perceber, vai levantar vôo! Depois me conta! A mistura é fatal! Ela vai subir que nem sputinik! Vai sair dali tontinha, querendo colo! Mas, nem pense em levá-la pra casa dela, parta direto pra sua king size! É batata!

Não é que o malandro acertou! Às duras penas, Abelardo levou Heloísa, num fim de tarde de uma sexta-feira, a uma choparia. Fez o que o professor de bico-doce ensinou: Duas margaritas e três chopes. A cabeça de Heloisa começou a rodar e Abelardo, bom aluno, levou a presa para a king. Tudo aconteceu com o Don Juan da última decadência queria.

Quando no outro dia, Heloisa acordou, se deparou num quarto que nunca vira, uma cama que nunca se deitou, nua e tendo ao seu lado um homem com quem nunca dormiu, além do mais, o seu sócio, a última pessoa do mundo com quem dormiria. Queria morrer! Que latada! Aos poucos foi se lembrando da noite anterior e viu que caíra numa armadilha. O ódio ferveu-lhe no sangue!

Abelardo foi acordado à tapas:

- O que você fez comigo, seu filadaputa? Quando meu pai souber o que você fez comigo você estará perdido! No mínimo mandará te capar, seu infeliz!

Abelardo, já acordado, em segundos viu em que gelada entrou. Lembrou de um outro Abelardo que- por fazer amor com uma outra Heloisa, em Paris, no século XII- teve seu pênis cortado no toco! Que sina tem os Abelardo, pensou o garanhão pós moderno. Na segunda-feira não foi trabalhar, apenas deixou uma carta para Heloisa, dizendo que estava se aposentando e mudando de país. Possivelmente para o Iraque ou Afeganistão, onde correria menos perigo. Talvez tornasse membro da Al-Qaeda ou do Talibã. Difícil será tirar burka de Samira, mas Salim Abelardo dá um jeito! Salamalek!

Com a inteligência feminina não se brinca! Doutora Heloisa, com seu sorriso cor de rosa, agora dona de seu próprio negócio, mora numa cobertura e é facilmente encontrada nos fins de semana nos melhores bares da cidade, apreciando uma, duas margaritas. Alá seja louvado! Salamalek!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mariana antes de ir ao banco


Mariana e o papagaio


Por Tadeu Nascimento


Quando se casou com José Arnaldo, Mariana era magrinha, magrinha. Cinco anos de vida sob o mesmo teto, Mariana passou da condição de vareta para mulherão. Cinturinha fina e uma traseira abençoada. Por onde passava não havia homem na qualidade de macho que não virava o pescoço em movimento de meia rotação. Zé Arnaldo, no entanto, continuou com o mesmo corpo atlético de solteiro que preservava às custas do futebol de salão às terças, quintas e domingo. Metido a garanhão da periferia, suava sua musculatura – a bem da verdade- nas terças e quintas nos lençóis dos motéis perto do ginásio de esporte que fica a uma quadra do trevo da cidade, onde quase ninguém poderia dizer se ele de fato estava ali a correr atrás de uma bola.

Em casa vivia um casamento conflitante e desgastante, pois não aceitava que homem algum desse uma olhadela sequer, mesmo que sutil, no andado esfuziante de Mariana. Com receio de perdê-la, Arnaldo começou a implicar com a consorte:

- Você precisa emagrecer! Você está ficando redonda!

Chamar uma mulher de gorda é a maior das ofensas! Chamá-la de horrorosa, preguiçosa, chata ela suporta e até releva, mas uma pequena insinuação- por mais carinhosa ou delicada que seja- que a lembre que ganhou cinco quilinhos nos últimos dois anos... Pronto, está declarada a terceira guerra mundial! Fecha o semblante, arma o bico, fica de mal, quando não cai em prantos. E à noite nem tente cutucá-la com intenções genéricas ou específicas porque você pode ouvir coisas do arco da bruxa:

- O que você quer com uma gorda? Vai atrás de Gisele Bundchen, quem sabe ela abra aquelas pernas de bambu pra você!

Voltemos ao consórcio de Arnaldo Mariana. Todos os dias, Arnaldo humilhava a esposa:

-Você está virando um torresmo de tão gorda!

Na verdade, Mariana não estava gorda, aliás havia emagrecido um quilo e meio na última quinzena. A questão residia no seguinte: por onde Mariana fosse, todo macho parava para apreciar o excesso de gostosura que ela carregava no corpo. Com receio de ser apelidado de corno, Arnaldo queria que Mariana voltasse ao que era: magricela e sem o menor atrativo. Pois já bastava o papagaio do vizinho que ficava sobre o muro o dia inteiro a chamar Mariana:

-Gostosa! Ô Gostooosa! Curupaco! Ô Gostooosa!

E todas as vezes que Arnaldo punha seus pés de garanhão no quintal, o louro de imediato o insultava:

-Corno! Ô, Cooorno! Ô Cooorno! Curupaco!

Mariana trabalhava com o marido no supermercado de ambos. Era ela quem fazia os serviços de banco como pagar duplicata, fazer depósitos, enquanto Arnaldo descarregava mercadorias, fazia as compras etc. Para se chegar ao Banco do Brasil, Mariana passava na calçada das Casas Pernambucanas, onde um vendedor sempre lhe fazia um gracejo:

- Gostooosa!

Ela- que era tão ofendida pelo marido- pensava: posso ser gorda para o babaca do Arnaldo, mas tem gente que gosta muito do meu corpão!

Todos os dias o vendedor estava a postos, ali, na espera, para adjetivá-la com nomes bem ao contrário dos que saiam da boca de Arnaldo. De repente se deu conta que necessitava daqueles elogios. Questão de auto estima. Uma noite chegou a sonhar com o vendedor na sua cama chamando-a de “Gostooosa!” Mas a dura realidade era outra: quem dormia ao seu lado era quem a destratava: “Gorda!”, “Torresmo!” “Redonda!”

Na hora do almoço, Arnaldo volta à carga:

- Está caindo!

- O que está caindo, Arnaldo?

- Sua barriga... pra fora calça!- disse Arnaldo dando uma gargalhada sarcástica.

Mariana soltou a frigideira no fogão, se dispôs a chorar e escafedeu-se para o quarto.

Uma hora depois, já no trabalho, pegou as duplicatas, o dinheiro e um talão de cheques e disse:

- Vou fazer serviço de banco! E acho que vou demorar!

A caminho do banco, se via ele, o vendedor de panos. Então disse pra si mesma: “É agora!” O vendedor já ia repetir o mesmo elogio quando Mariana tomou-lhe a frente:

- Você me acha mesmo gostosa?

O vendedor surpreso, gaguejou:

- A Se-nho-ra-me-des-cul-pe...

- Acha ou não acha?- deu ela um xeque-mate no vendedor.

-A-Acho!..

- Então, às seis em ponto, eu passo aqui com o meu carro, para você comprovar se me acha mesmo gostosa!- arrematou Mariana.

Mariana chegou em casa às onze da noite. Quando Arnaldo quis questionar onde ela estava, ela fulminou:

- Estava num motel com um rapaz que me acha gostosa!

Silêncio sepulcral. Arnaldo perplexo, mudo. Foi pra sala pegou uma dose de uísque, sentou-se no sofá e ali ficou.

No ouro dia, quando Arnaldo pôs os seus pés de machão no quintal, ouviu do papagaio do vizinho:

- Eu não te disse, seu corno! Eu não te disse, seu corno! Curupaco! Ô Coooorno! Ô Cooorno! Curupaco.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010



A Revolução Francesa



A beleza histórica da Revolução Francesa


Por Tadeu Nascimento

Em 2001, o escritor e então conselheiro do TCE-GO Eurico Barbosa presenteou-me com a coleção “Os Grandes Processos da História”, 10 volumes, do francês Henri Robert. Trata-se de uma obra voltada quase que totalmente para a Revolução Francesa. Uma ótima sugestão para quem tem paixão por História. É interessante, não só pelos detalhes daqueles efervescentes dias, como também a herança de muitas das palavras criadas durante a Revolução, tais como assembléia, comitê, convenção, comício etc. Além de esquerdista e direitista, qualificações que vieram da “Convenção”, onde julgavam os traidores da pátria. Sentar-se à direita da mesa diretora era se manifestar favoráveis a nobreza, mais precisamente à corte de Luis XVI e à esquerda, os defensores do povo. O termo “descamisados” usado por Fernando Collor na sua campanha a presidente não passa de um plágio fajuto do termo “sans-culottes” (sem calções- roupas próprias para o frio), do povo francês. O termo “pés descalços” usado por Evita Peron, na década de 50, também é plágio do mesmo termo sans-culottes, gesto que a tornou a mulher mais famosa da história da Argentina. Mais ainda interessantes foram os detalhes que ocorreram naqueles 10 anos da Revolução.

As causas da Revolução Francesa: primeiramente a construção do Palácio de Versalles por Luis XIV que durou 40 anos que consumiu os poucos recursos dos franceses através de impostos escorchantes. Depois, A Guerra dos 7 anos com Inglaterra e por último, o envio e manutenção de tropas francesas comandadas por Lafayette na Guerra da Independência dos Estados Unidos da América contra os ingleses. Não vou aqui descrever fatos mais do que sabidos. Tratarei aqui de detalhes e/ou curiosidades extraídas desta e de outras obras que quase todos os historiadores deixaram de lado.

A esconjurada Maria Antonieta (filha de Maria Tereza da Áustria) ainda criança franzina se tornou-se rainha aos 16 anos, caiu em desgraça por demorar dar um filho a Luiz Capeto (Luis XVI), que tinha fimose, o que impedia a conjunção carnal. A consumação só foi possível depois que um médico austríaco M. Lassone cortou-lhe “os freios”. Mas já era tarde, as cassandras do poder já infernizaram a vida de Maria Antonieta. Isto está em “Le Cabinet Secret de L’Historie” de Dr. Cabanés. A versão popular de que ela teria dito: “Marido, o que as pessoas do povo tanto quer? E o rei respondeu: “Querem pão, mulher!” E a rainha: “Então, dê-lhes pão!” E o rei: “Mas não tem pão, Maria!”e a rainha: “Ah, que eles comam brioches!” Trata-se apenas de uma lenda; uma acusação vil a quem não tinha culpa da miséria que o povo vivia naquele histórico ano de 1789.

Quase todas as sessões da Assembléia Nacional, o revolucionário Marat (Jean-Paul Marat), médico franco-suíço que se revelou um grande jornalista com seu jornal L’Ami du Peuple (O Amigo do Povo) era exposto a julgamento e se condenado, a pena seria capital e para o dia seguinte, ou seja a execução na guilhotina (instrumento inventado, pasmem, por um médico, Dr. Guilhotin). Acabava que, quem o acusava era quem parava no patíbulo, nas mãos do carrasco. Por força do destino, Marat foi assassinado por uma mulher que acreditava que o revolucionário era o culpado de tudo. Chamava-se Charlotte Corday. Marat estava se lavando em uma banheira de madeira. O jornalista precisa se banhar duas vezes ao dia em produtos químicos para se curar das feridas adquiridas nas ruas subterrâneas de Paris quando fugia da polícia do rei. Charlote pede para falar com revolucionário pois viera fazer uma denúncia. Marat autorizou sua entrada no quarto. Ela então pediu para lhe falar junto aos ouvidos, para que ninguém os ouvisse. Inocente, Marat permitiu que se aproximasse. Quando ela chegou perto, cravou-lhe um punhal no coração. Charlotte Corday logo depois foi decapitada. Marat, grande debatedor, atraia todas acusações para si, o que tirava do foco de acusações os deputados líderes Danton, Demolins, Robespierre. Mas com a sua morte todos as lideranças perderam suas cabeças. Era a Revolução engolindo os próprios filhos.

La Marseillaise. Composta pelo capitão Claude Rouget de Lisle inicialmente com o nome de Canto de Guerra para o Exército do Reno que enaltecia a Revolução. A canção fez tanto sucesso, pois deu brios à tropa que soou, emocionou. Espalharam então muitas cópias que acabaram por chegar a Marselha. Dali os soldados marcharam cantando essa canção poderosa e a França fez coro e o povo, cantando, invadiu o palácio das Tulherias. Logo a canção passou a se chamar “A Marselhesa” e se tornou o hino nacional francês em 1795. Ironicamente Rouget de Lisle não era partidário da Revolução, pelo contrário, era fiel à coroa. Sua mãe o criticou duramente por sua canção ter sido estímulo à Revolução. Foi preso e só não perdeu a cabeça porque Robespierre a perdeu antes em 09 Termidor, ano III (27 de junho de 1794). Rouget morreu na miséria em 1836, com 76 anos. Quando ele dizia que era o autor de “A Marselhesa” riam na sua cara. O leitor que nunca ouviu “A Marselhesa”, sugiro que a ouça na voz de Edith Piaf. Vale à pena.

Danton, o deputado, o grande tribuno, o titã de aço- como descreve Henri Robert- quando acusado de traidor, no interrogatório perguntaram-lhe a sua idade:

-Trinta e três anos, a idade do sans-culotte Jesus Cristo, a idade crítica para os patriotas!

-Nome e endereço!- cobrou o inquisidor.

-Chamam-me Danton. Revolucionário, representante do povo. Minha residência? Dentro em breve, o nada! Depois o Panteão da História!

Condenado a morte, por tentar restabelecer a monarquia, o que não era verdade, no patíbulo, minutos antes de ser executado, juntamente com Camilo Demolins e Heraut de Séchelles. Danton, dono de uma cabeça imensa, cabeça de leão, com uma voz poderosíssima que se fazia ouvir por três quadras, quis abraçar Heraut de Séchelles, que devia ir antes dele. O carrasco impediu-o. Danton então, esbravejou:

-Imbecil! Impedirás que as nossas cabeças se beijem no cesto?

A Revolução Francesa foi um grande salto da humanidade na sua própria evolução.

O historiador inglês Eric Hobsbawm em sua obra “Ecos da Marselhesa” defende que felizmente a Revolução Francesa ainda está viva, pois a Liberdade, Igualdade e Fraternidade e os valores da razão e do Iluminismo são mais necessários do que nunca, na medida em que o irracionalismo, a região fundamentalista, a barbárie, estão mais uma vez avançando sobre nós.

Ao amigo Eurico Barbosa, minha gratidão.