quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mariana antes de ir ao banco


Mariana e o papagaio


Por Tadeu Nascimento


Quando se casou com José Arnaldo, Mariana era magrinha, magrinha. Cinco anos de vida sob o mesmo teto, Mariana passou da condição de vareta para mulherão. Cinturinha fina e uma traseira abençoada. Por onde passava não havia homem na qualidade de macho que não virava o pescoço em movimento de meia rotação. Zé Arnaldo, no entanto, continuou com o mesmo corpo atlético de solteiro que preservava às custas do futebol de salão às terças, quintas e domingo. Metido a garanhão da periferia, suava sua musculatura – a bem da verdade- nas terças e quintas nos lençóis dos motéis perto do ginásio de esporte que fica a uma quadra do trevo da cidade, onde quase ninguém poderia dizer se ele de fato estava ali a correr atrás de uma bola.

Em casa vivia um casamento conflitante e desgastante, pois não aceitava que homem algum desse uma olhadela sequer, mesmo que sutil, no andado esfuziante de Mariana. Com receio de perdê-la, Arnaldo começou a implicar com a consorte:

- Você precisa emagrecer! Você está ficando redonda!

Chamar uma mulher de gorda é a maior das ofensas! Chamá-la de horrorosa, preguiçosa, chata ela suporta e até releva, mas uma pequena insinuação- por mais carinhosa ou delicada que seja- que a lembre que ganhou cinco quilinhos nos últimos dois anos... Pronto, está declarada a terceira guerra mundial! Fecha o semblante, arma o bico, fica de mal, quando não cai em prantos. E à noite nem tente cutucá-la com intenções genéricas ou específicas porque você pode ouvir coisas do arco da bruxa:

- O que você quer com uma gorda? Vai atrás de Gisele Bundchen, quem sabe ela abra aquelas pernas de bambu pra você!

Voltemos ao consórcio de Arnaldo Mariana. Todos os dias, Arnaldo humilhava a esposa:

-Você está virando um torresmo de tão gorda!

Na verdade, Mariana não estava gorda, aliás havia emagrecido um quilo e meio na última quinzena. A questão residia no seguinte: por onde Mariana fosse, todo macho parava para apreciar o excesso de gostosura que ela carregava no corpo. Com receio de ser apelidado de corno, Arnaldo queria que Mariana voltasse ao que era: magricela e sem o menor atrativo. Pois já bastava o papagaio do vizinho que ficava sobre o muro o dia inteiro a chamar Mariana:

-Gostosa! Ô Gostooosa! Curupaco! Ô Gostooosa!

E todas as vezes que Arnaldo punha seus pés de garanhão no quintal, o louro de imediato o insultava:

-Corno! Ô, Cooorno! Ô Cooorno! Curupaco!

Mariana trabalhava com o marido no supermercado de ambos. Era ela quem fazia os serviços de banco como pagar duplicata, fazer depósitos, enquanto Arnaldo descarregava mercadorias, fazia as compras etc. Para se chegar ao Banco do Brasil, Mariana passava na calçada das Casas Pernambucanas, onde um vendedor sempre lhe fazia um gracejo:

- Gostooosa!

Ela- que era tão ofendida pelo marido- pensava: posso ser gorda para o babaca do Arnaldo, mas tem gente que gosta muito do meu corpão!

Todos os dias o vendedor estava a postos, ali, na espera, para adjetivá-la com nomes bem ao contrário dos que saiam da boca de Arnaldo. De repente se deu conta que necessitava daqueles elogios. Questão de auto estima. Uma noite chegou a sonhar com o vendedor na sua cama chamando-a de “Gostooosa!” Mas a dura realidade era outra: quem dormia ao seu lado era quem a destratava: “Gorda!”, “Torresmo!” “Redonda!”

Na hora do almoço, Arnaldo volta à carga:

- Está caindo!

- O que está caindo, Arnaldo?

- Sua barriga... pra fora calça!- disse Arnaldo dando uma gargalhada sarcástica.

Mariana soltou a frigideira no fogão, se dispôs a chorar e escafedeu-se para o quarto.

Uma hora depois, já no trabalho, pegou as duplicatas, o dinheiro e um talão de cheques e disse:

- Vou fazer serviço de banco! E acho que vou demorar!

A caminho do banco, se via ele, o vendedor de panos. Então disse pra si mesma: “É agora!” O vendedor já ia repetir o mesmo elogio quando Mariana tomou-lhe a frente:

- Você me acha mesmo gostosa?

O vendedor surpreso, gaguejou:

- A Se-nho-ra-me-des-cul-pe...

- Acha ou não acha?- deu ela um xeque-mate no vendedor.

-A-Acho!..

- Então, às seis em ponto, eu passo aqui com o meu carro, para você comprovar se me acha mesmo gostosa!- arrematou Mariana.

Mariana chegou em casa às onze da noite. Quando Arnaldo quis questionar onde ela estava, ela fulminou:

- Estava num motel com um rapaz que me acha gostosa!

Silêncio sepulcral. Arnaldo perplexo, mudo. Foi pra sala pegou uma dose de uísque, sentou-se no sofá e ali ficou.

No ouro dia, quando Arnaldo pôs os seus pés de machão no quintal, ouviu do papagaio do vizinho:

- Eu não te disse, seu corno! Eu não te disse, seu corno! Curupaco! Ô Coooorno! Ô Cooorno! Curupaco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário