quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


A bela Heloisa

Abelardo e Heloisa


Por Tadeu Nascimento





Heloísa estava toda-toda orgulhosa de si: acabara de receber o seu diploma de odontóloga. Vinte e três anos, loira, olhos verdeados, bunda empinada e sol-tei-ri-nha da silva. Os pais vivem no interior e ela não mais reside em pensionato, mudou-se para um apartamento alugado de dois quartos em setor nobre da cidade. Único probleminha era acertar no trabalho. Trabalhar em uma clínica odontológica ou associar-se a um dentista já estabelecido, com clientela, dividindo o lucro até conseguir comprar o seu consultório. Aí sim, tudo estaria perfeito.

Quis o destino que Heloísa conhecesse Dr. Abelardo Prata. Profissional com 30 anos de experiência, professor em faculdade, estaria interessado em ceder um turno, no seu consultório, a outro profissional. Divorciado, com idade rompendo o “meio dia para tarde” era especialista em tratamento amoroso e coisas afins em pós-balzaquianas convictas e conscientes. Sabia que não tinha mais habilidade comunicativa com as mulheres cheias de brilho da juventude, embora tivesse a ilusão de que poderia disputar com qualquer rapaz de 20 anos. A questão é a aparência de sessentão que não ajuda. Sem chance. Restava-lhe trafegar nos terrenos um pouco mais acidentados das rugas, lombadas e planícies longas e sem curvas das mulheres de 50.

Para Heloísa o trabalho se encaixou bem. Para Abelardo não era bem assim. A graciosidade da nova sócia estava lhe tirando o sono. Aquela pele rosada, a boca com um batom também cor de rosa, contrastando com um sorriso imensamente branco, a blusinha branca, a calça também branca, transparecendo a minúscula calcinha angelicamente branca. Tudo fincado nas sandálias de salto 8 cm também brancas que sustentavam dois pesinhos tamanho 36, com unhas perfeitamente pintadas em tom rosa. Uma combinação celestial. Seria um anjo de férias trabalhando em sua companhia, ou seria o capeta desafiando a sua libido?

Os dias se passam, mas a fixação de Abelardo por Heloísa não passa. E aumenta a cada dia. O máximo foi conseguir levá-la para almoçar num restaurante “por quilo” e após três meses, tomar um chopinho no bar mais badalado da cidade. O cérebro de testosterona de Abelardo arquitetava: era preciso urgentemente levar Heloísa para cama! Abelardo virava a noite rolando na sua king size pensando em Heloísa. Ela, nem tium. Quando ele insinuava alguma coisa relacionada a sexo, ela escorregava que nem enguia.

Certo dia foi trocar idéia com Renatinho, seu sobrinho, um mala de primeira grandeza: pediu-lhe a receita de como levar Heloísa pra sua cama king size com lençol branco de 300 fios de algodão egípcio legítimo, cheirando a alfazema, sob a meia luz de um abajur sobre o criado mudo.

-Simples, tio: leve ela a um barzinho ou choparia e dê a ela duas margaritas e uns três chopes! Ela vai gostar muito e sem perceber, vai levantar vôo! Depois me conta! A mistura é fatal! Ela vai subir que nem sputinik! Vai sair dali tontinha, querendo colo! Mas, nem pense em levá-la pra casa dela, parta direto pra sua king size! É batata!

Não é que o malandro acertou! Às duras penas, Abelardo levou Heloísa, num fim de tarde de uma sexta-feira, a uma choparia. Fez o que o professor de bico-doce ensinou: Duas margaritas e três chopes. A cabeça de Heloisa começou a rodar e Abelardo, bom aluno, levou a presa para a king. Tudo aconteceu com o Don Juan da última decadência queria.

Quando no outro dia, Heloisa acordou, se deparou num quarto que nunca vira, uma cama que nunca se deitou, nua e tendo ao seu lado um homem com quem nunca dormiu, além do mais, o seu sócio, a última pessoa do mundo com quem dormiria. Queria morrer! Que latada! Aos poucos foi se lembrando da noite anterior e viu que caíra numa armadilha. O ódio ferveu-lhe no sangue!

Abelardo foi acordado à tapas:

- O que você fez comigo, seu filadaputa? Quando meu pai souber o que você fez comigo você estará perdido! No mínimo mandará te capar, seu infeliz!

Abelardo, já acordado, em segundos viu em que gelada entrou. Lembrou de um outro Abelardo que- por fazer amor com uma outra Heloisa, em Paris, no século XII- teve seu pênis cortado no toco! Que sina tem os Abelardo, pensou o garanhão pós moderno. Na segunda-feira não foi trabalhar, apenas deixou uma carta para Heloisa, dizendo que estava se aposentando e mudando de país. Possivelmente para o Iraque ou Afeganistão, onde correria menos perigo. Talvez tornasse membro da Al-Qaeda ou do Talibã. Difícil será tirar burka de Samira, mas Salim Abelardo dá um jeito! Salamalek!

Com a inteligência feminina não se brinca! Doutora Heloisa, com seu sorriso cor de rosa, agora dona de seu próprio negócio, mora numa cobertura e é facilmente encontrada nos fins de semana nos melhores bares da cidade, apreciando uma, duas margaritas. Alá seja louvado! Salamalek!

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