quinta-feira, 29 de outubro de 2009


Abílio Wolney


Os três momentos mais importantes da História de Goiás




Por Tadeu Nascimento



Com o advento do aniversário de Goiânia, me veio à mente o que foi o Estado de Goiás antes da mudança da Capital. O arcaico antes do moderno. O coronelismo antes da democracia. E a conclusão a que cheguei é que os momentos mais importantes da História de Goiás se deram nas duas primeiras décadas do século XX. No entanto, são históricos pelo seu lado trágico. São os episódios de São José do Duro (hoje Dianópolis – Tocantins); da República dos Anjos (Comunidade de Santa Dica), em Lagoa (hoje Lagolândia, distrito de Pirenópolis) e o da Revolução de 1930 (em Goiás, o momento culminante se deu em Rio Verde, quando prenderam Pedro Ludovico). Em todos os três momentos foram às custas da violência. O episódio de São José do Duro, que mais tarde foi retratado no livro O Tronco, de Bernardo Élis, aconteceu quando o coronel Abílio Wolney se rebela contra o chefe político de Goiás, o então deputado estadual Antônio Ramos Caiado, o Totó Caiado. A pendenga começou, segundo o escritor Osvaldo Póvoa, quando “Totó Caiado, sob o pretexto de protestar contra um projeto de lei, parecia disposto a apelar para a agressão física, obrigando Abílio a abrir uma gaveta, simulando que ia usar uma arma. ‘Se der mais um passo, eu atiro!’ – gritou Abílio. Era apenas um artifício, pois não havia arma nenhuma na gaveta. Seu quase agressor ameaçou: ‘Você me paga!..’” Abílio, juntamente com Luís Gonzaga Jayme e Emílio Póvoa, funda o jornal O Estado de Goiás e move cerrada oposição ao governo. Na redação, um dos jornalistas mais polêmicos da época: Moisés Santana. O governo tenta empastelar o jornal. Abílio Wolney se retira para o Duro. Por causa de um inventário impugnado pelo coletor estadual Sebastião de Brito Guimarães, Wolney exige do juiz a solução para o inventário. O governador João Alves de Castro, pressionado por Totó Caiado para agir contra o seu desafeto, envia uma comissão comandada pelo juiz Celso Calmon da Gama com 60 soldados. Os soldados matam sob as ordens de Calmon, em emboscada, o pai de Abílio, o coronel Joaquim Ayres Cavalcante Wolney à vista do filho, que não teve como defender o pai. Abílio foge, busca refúgio na Bahia e traz com ele um bando de 200 cangaceiros para invadir o Duro. Os soldados, sabendo que a tropa de Abílio invadiria o povoado, colocam cinco dos familiares de Abílio no tronco. Este, prestes a atacar, recebe a visita de sua irmã, que lhe foi implorar para que não invadisse o Duro, pois a ordem era matar todos (entre eles o seu filho ) se Abílio ousasse invadir. Abílio tentou recuar, mas os cangaceiros não abriram mão de saquear o lugarejo. Os soldados, diante do ataque, assassinaram nove (5 no tronco) prisioneiros e os cangaceiros arrasaram a cidade. Era 16 de janeiro de 1919, uma quinta-feira. Anos depois, o escritor Osvaldo Póvoa escreve o livro Quinta-Feira Sangrenta. Abílio não pôde viver mais no Duro, mudou-se para Barreiras (BA), onde foi prefeito e chefe político. Curiosidade à parte, Abílio Wolney é o autor do projeto que mudou o nome de Santana das Antas para Anápolis. Há poucos anos tentaram retirar o busto de Abílio Wolney de uma praça pública de Anápolis. Foi preciso que um de seus netos se insurgisse contra tal insensatez. Talvez o “genial” e “progressista” vereador quisesse que Anápolis voltasse a se chamar Santana das Antas.

Santa Dica, nascida Benedicta Cypriano Gomes, é mais um ser milagreiro deste Brasil místico e confuso. Santa Dica era uma espécie de Antônio Conselheiro de saias. Curandeira, milagreira, profetiza, santa ou demônio, desenvolveu o seu movimento no vilarejo da Lagoa, hoje distrito de Pirenópolis. Na comunidade conhecida por “Anjos” ou “Calamita dos Anjos”, viveu-se um mundo paralelo, quase anárquico, dirigido apenas pelas ordens da Santa Dica. Assim como em Canudos de Antônio Conselheiro contestavam a propriedade da terra, a legislação vigente e o casamento civil. Enfim, condenavam o comportamento da sociedade humana que ficava fora da comunidade dos Anjos. Os grupos dominantes e a igreja denunciaram ao governo do Estado que ali poderia surgir uma nova Canudos. Dica se tornou uma espécie de “Lenin do sexo diferente”, trazia a manchete do jornal O Democrata em 10 de outubro de 1924, pois defendia ela que “a terra não é propriedade de quem tem o título dela”. Santa Dica tornava-se famosa nos grandes centros. A pintora Tarsila Amaral, expoente da “Semana de Arte de 1922” de São Paulo, a eternizou em um dos seus quadros. O governo envia um batalhão com 114 soldados sob o comando (adivinha de quem?) do mesmo juiz Celso Calmon de Gama. A batalha foi tão desproporcional que durou apenas 30 minutos, onde morreram 11 “revoltosos” e dezenas ficaram feridos. O dia era 14 de outubro de 1925.

A Revolução de 30. Pedro Ludovico, com outros revoltosos, invade a cidade de Rio Verde no final de setembro. O chefe político da cidade era o major (da Guarda Nacional) Frederico Gonzaga Jayme. Pedro Ludovico é preso e depois fora enviado, juntamente com Oscar Campos (pai do ex-prefeito de Rio Verde Paulo Campos), para a cidade de Goiás. A caminho para a velha capital viajavam no primeiro carro César da Cunha Bastos com Pedro Ludovico e no segundo carro, o alferes Antônio Catulino Viegas com Oscar Campos. Chegando na Cachoeira da Fumaça, um outro carro em direção contrária chega com a notícia de que a Revolução triunfara. Ou seja, os Estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba venceram os governos central de Washington Luís e do Estado de São Paulo, que burlaram a eleição para Presidência da República a favor de Júlio Prestes, então governador de São Paulo, contra o candidato a presidente Getúlio Vargas, então governador gaúcho. Era o fim dos governos dos coronéis.

Mas o que têm em comum estes fatos históricos além do chefe Antônio Ramos Caiado e o sangue derramado? Resposta: um personagem de sua estrita confiança. Um cidadão que, onde houvesse desafeto que oferecesse perigo ao governo, lá estava ele, Antônio Catulino Viegas, o Alferes Catulino. No episódio do Tronco em São José do Duro, foi um dos três alferes que trancafiaram os familiares de Wolney no tronco. Catulino executou o menor Oscar Wolney Leal, filho da irmã de Abílio, aquela que tentara impedir o ataque. Foi condenado pelos crimes no Duro a 25 anos e seis meses de cadeia e exonerado da polícia. Todavia, um ano depois é reintegrado no corpo policial. Na invasão da Comunidade dos Anjos de Santa Dica, ele era a voz do ataque que matou 11 e feriu dezenas de revoltosos. Por fim a Revolução de 30: com a notícia que a Revolução triunfara, inverteram-se os papéis: Pedro Ludovico e Oscar Campos escoltaram os presos Cesar da Cunha Bastos e Catulino Viegas para a antiga capital. Era 3 de outubro de 1930. Início de uma nova era.

Nenhum comentário:

Postar um comentário