sexta-feira, 18 de março de 2011

José Saramago


Se eu tivesse um coração de ouro

Por Tadeu Nascimento

Numa escola bastante conceituada de Goiânia, uma professora passou para os seus alunos do 1º grau, uma tarefa que consistia em dissertar sobre um tema, senão complicado, porém muito interessante: "Se eu tivesse um coração de ouro". Comecei a divagar sobre o tema e conclui que se trata de uma pequena armadilha. Pois, seria o mesmo discorrer sobre "Se eu fosse um bom menino ou uma boa menina". Mais incisivo ainda: "Se eu fosse bom". Imaginei os possíveis textos que seriam escritos pelos inocentes aprendizes. Uns, na certa, diriam que alimentariam aqueles que estivessem com fome; outros, que levariam os pobrezinhos mal vestidos para próprias casas e dariam muitas de suas roupas; outros, que dariam uma casa para cada pobre, etc. Porém, além de interessante, o título é muito intrigante e portanto, cabe algumas observações. Para se ter um coração de ouro não precisa ser rico. Basta ser bom. Bom, na melhor concepção da palavra. Fazer o bem sem olhar a quem. Ser bom sem esperar ser reconhecido por sua bondade. Cometer ações positivas, generosas, sem se vangloriar desses atos. O que a mão direita dá, a mão esquerda não vê. Quando eu estudava em Uberaba e ao buscar todos os meses, a mesada, através do Banco do Brasil, que meu bom e velho pai me enviava de Rio Verde, via o humilde Chico Xavier numa longa fila a receber sua pequena aposentadoria. E na determinada agência bancária, sempre havia muitas pessoas pobres esperando pela chegada do mestre espiritualista. Chico passava por todos eles e os cumprimentava com aperto de mãos e depois os abraçava. Mas ao aperta-lhes as mãos, entregava a cada um, um valor em dinheiro- bem dobradinho- que tirava discretamente do bolso do paletó- para que ninguém visse. Era o cuidado para que não explicitasse a menor ostentação. Vi, não só uma vez, pedintes, estendendo-lhe as mãos como se clamassem por uma ajuda, e o Chico com alguma coisa na mão direita fechada entregava a cada um deles (um valor que não se via o quanto) e em seguida, fechava a mão do pobre cidadão. E assim repetia a mesma ação com outro necessitado. E como num ensinamento de uma aula prática, deixava a lição para que fizéssemos caridade sem vaidade. Sem demonstrar que "somos bonzinhos". Pois declarar-se caridoso é ter lucro sobre o necessitado, além de humilhar o ajudado. Dessa forma, não é caridade; é exibicionismo. Segundo os ensinamentos de Cristo, a caridade é uma oportunidade que o Criador nos dá para evoluirmos. Portanto quem presta caridade deve agradecer ao Altíssimo pela oportunidade de realizá-la.
Seria interessante os nossos educadores ensinassem aos nossos filhos, serem bons no tempo presente, possível, praticável e não num tempo condicional, tipo "se eu tivesse o coração de ouro." Ser bom é a compreensão da evolução humana. Há de se ensinar os princípios morais. Destes fluirão a bondade, o respeito aos semelhantes. Respeitar a vida, os princípios da natureza como meio ambiente nada mais são do que respeitar a terra mãe, os nossos irmãos, os nossos filhos, os nossos netos, a humanidade.
Para ser bom, exige-se ações inteligentes. De nada adianta promessas de boas atitudes, se amanhã mesmo, aquele pedinte ainda continuar na esquina de sua casa. Se nada fizermos para pressionar as autoridades para melhorar os nossos hospitais públicos. Se não cobrarmos dos governantes um futuro descente para nossas crianças, dando-lhes escolas de melhor qualidade; o fim das drogas que arrebentam com a juventude, além de tantas ações que diminuem o sofrimento dos que mais precisam de ajuda. No âmbito particular, devemos nos cobrar o porquê das nossas indiferenças. Por exemplo, de não irmos a um abrigo de velhos, dedicar uma hora de nosso tempo a aqueles que estão no fim da vida e que esquecemos, com certa dose de hipocrisia, que estamos, inevitavelmente, trilhando o mesmo caminho dos idosos. Ser bom é base de qualquer religião. No budismo, um dos principais princípios é a comiseração (dó): ser bom é sofrer com os que sofrem. Contudo, fico com o pensamento de José Saramago, um dos maiores escritores e humanistas do século XX: "Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu é de carne e sangra todo dia".

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