sexta-feira, 19 de agosto de 2011


Jesuino e o capitão Herculano


Um cordel na telinha de tv

Por Tadeu Nascimento


Cordel Encantado, da Rede Globo, conseguiu uma proeza: transformar uma literatura de cordel em novela. Autores da façanha: Duca Rachid e Thelma Guedes. Parabéns a ambos acertaram em cheio. Trata-se de uma miscelânea, digamos, cordelínea, da melhor qualidade. Um folhetim de realismo fantástico que traz uma saborosa fábula com aroma e gosto do nordeste com nuances de conto de fadas. Passados mais de 70 anos das mortes de Lampião, Maria Bonita e Corisco, os livretos de cordel ainda enaltecem esses personagens-heróis, resistindo as enxurradas de informações da era da informática e com isso, alimentam sonhos de milhares de brasileiros do nordeste e até de outros milhares da maior cidade nordestina do mundo, São Paulo. Eis a razão da novela. Assim como na literatura de cordel, os autores abusaram da liberdade de misturar personagens, países e épocas, compondo um grande mosaico. Melhor, uma colcha de retalhos bem nordestina, alinhavada com o melhor da ficção literária e da história universal. É de se lembrar, por exemplo, os versos de poesia de cordel que se transformou na belíssima canção "Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor", onde o autor, o poeta pernambucano Hotacílio Patriota, costura num balaio poético atemporal os personagens mitológicos Helena de Tróia, Páris, Heitor, Menelau, (Ilíada de Homero), o imperador Alexandre o Grande e sua amada Roxana, o poeta Cervantes e os cangaceiros Lampião e Maria Bonita.

Na Cordel Encantado, por sua vez, existem além de um herói sertanejo aos moldes do rei do cangaço Capitão Virgulino Lampião (Capitão Herculano, também com o título rei do cangaço) com seu bando, o mocinho (Jesuíno, filho do Capitão), a princesa (Açucena), outras figuras, bem próprias do interior brasileiro, como um prefeito medroso e corrupto com sua esposa que tem fogo nas partes pudentas; um hilário delegado metido a valente que treme só de ouvir a palavra cangaço; um coronelzinho idiota, perverso como o cão, bem aos moldes existentes ainda hoje nos rincões do Brasil; uma bela moça que encarna um jagunço numa nova edição da doce e valente Diadorim da obra Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa, tal qual a personagem interpretada por Bruna Lombardi- aliás, o cangaceiro Fubá/Doralice (Natália Dill) lembra muito o jagunço Reinaldo/Diadorim (Bruna) com os mesmos cabelos curtos e óculos redondos- da série global de mesmo nome, onde o personagem precisou travestir-se de jagunço macho para entrar no bando de Hermógenes para vingar seu pai, Joca Ramiro. A figura do Antônio Conselheiro (Canudos), ícone no nordeste, empresta sua estampa ao personagem Profeta na novela. Assim também, os autores exploram o personagem do mascate árabe, viajante do nordeste (coisa comum por lá) que tem uma esposa em cada cidade, tal qual Seu Que-Qué (Ney Latorraca), personagem caixeiro viajante da minissérie Rabo de Saia da mesma Globo na década de oitenta. Se não bastasse tanta ousadia de imaginação, os autores atravessaram o Atlântico literário e pescaram O homem da máscara de ferro e o Conde de Monte Cristo do francês Alexandre Dumas. A história se passa nos séculos dezenove e vinte. Um rei europeu da fictícia Serafia do Norte que instalou sua corte na pequena Brogodó em busca de sua filha que fora entregue a um casal do sertão com intuito de livrar a criança do perigo quando procuravam um tesouro escondido. Tal garboso rei se apaixona por uma mulatinha e promete levá-la para seu reino. Somente na literatura de cordel é possível uma história de capa e espada com cangaço! E ainda permeada com muito humor. E tome realidade com ficção e vice-versa! E no meio disso tudo, como não poderia de ser, claro, o enredo de um triângulo amoroso que envolve o mocinho Jesuíno, a doce princesa Açucena e o perverso coronel Timóteo.

Cordel Encantado foi filmado em duas cidades da região do São Francisco, de nomes bem próprios do lugar: São José do São Francisco (Sergipe) e Olho d´Água do Casado (Alagoas), locais que outrora foram rotas do cangaço. Nos primeiros capítulos o cenário foi no castelo de Chambord, construído por Francisco I no fim da Idade Média, na França. Cordel traz ainda uma bela trilha sonora interpretada por Gilberto Gil, Zé Ramalho, Lenine, Maria Gadu entre outros. É um dos melhores trabalhos de entretenimento da emissora.



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