terça-feira, 4 de maio de 2010

Praça da Igreja de São Sebastião Rio Verde-GO

Saudades de um menino de Rio Verde


Por Tadeu Nascimento


Nasci em um leito no Hospital Santa Terezinha, “nas mãos” do Dr. Walter Pereira de Castro em 1954, em Rio Verde. Passei a infância e parte da juventude nesse rincão. Quis o destino que eu me afastasse de lá, para estudar, casar-me, descasar-me, amadurecer-me. Mas este mesmo destino zombeteiro está cada vez mais, me puxando de volta, tal qual um grande imã que atrai um minúsculo prego. Não reluto com isto, até porque, gostaria que o meu corpo fosse ali sepultado no jazigo onde se encontram os restos mortais de meu pai, Clóvis Leão de Almeida. Assim, como do pó vim e ao pó voltarei, peço humildemente que deixem meus restos mortais, onde repousarão um dia os de minha mãe- que se juntarão aos de meu pai. Embora, distante de onde nasci, nunca me esqueci e tampouco deixei de acompanhar o dia-a-dia de minha terra-mãe. Cultivo com água perfumada da saudade, os anos que ali vivi. Rodei mundo (meu mundo é muito pequeno, não passou de Ribeirão Preto). O menino, filho do professor Clóvis, continua vivo em mim e dele nunca me apartei e nunca me apartarei. Como o escritor Fernando Sabino deixou para o seu epitáfio “Nasci homem, morri menino”, no meu, gostaria que ali registrassem “Nasci menino e morri menino”.

Pois sou o mesmo menino que via nos anos da década de 60, o impoluto prefeito Dr. Paulo Campos atravessando a rua quando ia pra casa descansar do dia trabalhado na prefeitura; que viu o Sr. Aristogogo, gerente dos Móveis Testa, quando os militares, no início da famigerada ditadura, o levaram, juntamente com Sr. Jarbas da Veterinária e o advogado Affonso Rodrigues do Carmo por serem esquerdistas. O mesmo menino que via a figura do Sr. Manoel Filosino, homem de posses, de cabelos encanecidos, pés descalços, com seu enorme e fiel cachorro negro, vendendo alfaces e outras folhas numa bacia também enorme. O mesmo menino que via o dentista Almiro de Moraes subindo, de manhã, com balde de leite da sua chácara- e no caminho distribuindo aos amigos- na baixada que daria acesso, anos mais tarde, ao Clube Campestre. O mesmo menino que via o doce e folclórico João Proto de Sousa, o João Surdo, lendo os jornais do Rio de Janeiro atrás do balcão da Confeitaria Zig-Zag e às vezes bronqueando os jogadores de snooker: “Camundongo, num pode!”; que assistia aos domingos o programa de auditório da Rádio Difusora, do imenso Martinelli; que conheceu Eurico Veloso do Carmo (Nenzinho Veloso), um homem de bem- por 3 vezes prefeito de Rio Verde; o ínclito Dr. Cesar Bastos andando solitário, mas com elegância única. O mesmo menino que era amigo do Tim (Ricardo Campos Sobrinho), personagem importantíssimo na minha juventude, pois era professor de quase todos de minha geração, odontólogo e boêmio, mas que cumpria com suas obrigações profissionais com sacerdócio. No carnaval passava os quatro dias de festa com um penico (nunca usado) cheio de cerveja e com várias salsichas dentro; do Sebastião Fernandes Rattes, o Tão Rattes (que juntamente com o prof. Tim não perdia uma Copa do Mundo. Estiveram presentes na Copa do Mundo do México, da Alemanha, da Argentina. Naquele tempo, quase ninguém conseguia tal proeza ). Voltaram do México triunfantes e desfilaram pelas ruas com sombreiros que são aqueles chapéus mexicanos enormes. Tim foi presidente dos Clubes Rioverdense e Campestre e Rei Momo por muitos anos; dos médicos Alcyr Mendonça, Júlio Emerich, Edsel (Sheco) Emerich tiveram grande importância na cidade e deixaram-me belas recordações. O mesmo menino que conheceu o Bar do Ney, em frente ao Cine Rio Verde que por muito tempo foi reduto da boemia da cidade; o Bar do Milton Jayme, onde se reunia para se discutir política e espalhar fofocas; o Bar do Hotel Minas Goiás do Manoel de Mello, na Praça 5 de Agosto que servia tira-gostos de massa de pastel gratuitos aos clientes. São lembranças de um tempo, para mim, maravilhoso.

Os tipos da cidade. Toda cidade tem seus personagens engraçados ou malucos. Em Rio Verde tínhamos o mulato Bem-Bem, cuja lenda, dizia que era um superdotado sexualmente e que uma dona de um prostíbulo mandava dar-lhe banho e que o perfumasse para suas noites de lascívia; o Pedro Biriba que ameaçava roubar as crianças desobedientes; a Jorja (deve ser Georgia), que também ameaçava levar as crianças malcriadas no saco que trazia consigo; o Mané Côco que andava fardado e ficava apitando o trânsito (e ainda multava o "infrator") no centro da cidade e ainda a telúrica Maria Florista que vivia no pavimento inferior do coreto, andava com flores nos cabelos, outras tantas nas mãos e levantava o vestido rodado pra quem quisesse ver sua partes pudicas. Por baixo do vestido, só vento: não usava calcinhas.

Incêndio do Cine Rio Verde. O cinema faz parte da minha vida. Fui criado entre ingressos, cartazes e telefonemas do público que indagava sobre o filme do dia. Meu avô materno Rafael Nascimento fundou o Cine Rio Verde em 1944. Com a sua morte, minha avó, Dona Tília, como era conhecida, ia para a bilheteria da casa de filmes e sempre levava um ou mais netos com ela. Em 1964, precisamente em 29 de maio, o cinema ardeu em chamas. O povo solidário, tentou, baldeando água, conter as chamas. Em vão. Foi a maior fogueira que eu já vi: um espetáculo dantesco! Um dia marcante na minha vida. O menino, filho do professor Clóvis, chorou ao ver o cinema da sua avó consumir-se no fogo. Achava que não mais veria Johnny Weissmuller na pele de Tarzan; Charton Heston em Bem Hur; Charles Chaplin em “Luzes da ribalta”. Quem assistiu o filme "Cinema paradiso", cuja história, é a de um menino que gostava muito de cinema e vê o prédio do cinema se queimando, pode entender o que- na vida real- se passou comigo. Todavia, com muito esforço, a família, no dia 31 de dezembro do mesmo ano, inaugurou o novo Cine Rio Verde com o filme “Os dez mandamentos”, com Charton Heston.

Todos os personagens (exceção ao Dr. Walter de Castro- com a graça de Deus- que até hoje medica no Hospital Santa Maria, em Goiânia) citados nesta crônica se foram desta vida, mas para mim são inesquecíveis. Fica a saudade de um menino cravada no peito de um homem.

Um comentário:

  1. OLÁ AMIGO E CONTERRANEO, TBM SOU DE RIO VERDE E ADOREI RELEMBRAR ALGUMAS PESSOAS QUE ERAM AMIGOS DO MEU PAI, ME LEMBRO DO PEDRO BIRIBA, DO HOMEM DA BANDEIRA, UM MALUCO QUE VIVIA COM UM BUMBU TOCANDO E CANTANDO, EU MORRIA DE MEDO DELE,MORO EM OUTRA CIDADE DO ESTADO DE GOIAS, MAIS SINTO MUITA FALTA DOS AMIGOS E DE PASSEAR NAS RUAS DA CIDADE ONDE NASCI E FUI CRIADA. ADORAVA IR AO CINEMA E TOMAR SORVETE NA SORVETERIA SEM N0ME NA PRESIDENTE VARGAS.GRANDE ABRAÇO!

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