quinta-feira, 30 de julho de 2009

Colecionador de Versos

Por Tadeu Nascimento

Dizem que é maníaco quem coleciona alguma coisa. Tem gente que coleciona selos, moedas, chaveiros, gibis, etc. Automóveis são o orgulho de excêntricos milionários. Conheço um cidadão que coleciona motocicletas. Outro, um amigo antigo, coleciona pedras que encontra pelas ruas. Gostou do formato, da cor, leva o seixo pra casa feliz da vida. Sinceramente não considero isto como um desvio psicológico. Se assim fosse, eu já estaria agasalhado numa camisa de força: eu coleciono algo mais estranho que se possa parecer. Coleciono versos. Isto mesmo, versos. Dos outros, claro. Somente versos da música popular brasileira. Versos sem melodia como os de Castro Alves, Bilac, Casimiro de Abreu, Carlos Drummond ainda não são pra mim, são para maníacos mais sofisticados. Pesquisando sobre o assunto descobri que- segundo a Psicologia- quem coleciona muita coisa, diversos itens, é considerado maníaco e se for exagerado na dose pode ser portador do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Acho que não cheguei ao TOC, pelo menos ninguém se deu ao trabalho de me dar um toc. Mas alguns entendidos defendem que tal mania tem seu lado positivo ao exercer um papel anti-estressante. Como toda história de coleção, comecei ainda menino, embora esta preciosa coleção se mantivesse guardada na minha mente. Naquele tempo colecionei selos, moedas, lápis de propaganda (lembra-se deles?), álbuns de figurinhas e versos. Com o tempo os deixei no pó da estrada. Fiquei só com os versos. De repente me dei conta que estava colecionando coisas da alma. Pode ser, mas isto é outra história. Voltemos aos versos. Hoje os guardo em um caderno que fica sempre ao meu alcance.
Tentarei expor aqui algumas preciosidades (dos outros) desta coleção da qual me orgulho muito e- é bom avisar- que não dou, não vendo, não empresto, apenas declamo ou canto tais versos à minha maneira a quem interessar possa. São versos cuja beleza se traduz pelo lirismo ou pela inteligência neles contida. Começo pelo o antigo “Tu pisavas nos astros distraída/ Sem saber que a ventura desta vida/ É a cabrocha, o luar e o violão” de Orestes Barbosa (Chão de Estrelas) tido pela crítica (colecionadores) como os versos mais bonitos do cancioneiro nacional. Outra obra prima: “A deusa da minha rua/ Tem os olhos onde a lua costuma se embriagar” e na mesma canção: Na rua há uma poça d’água / Espelho da minha alma/ Transporta o céu para o chão.” (“A deusa da minha rua” de Newton Teixeira). “Tire seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor/ Hoje pra você eu sou espinho/ Espinho não machuca flor/ Eu só errei quando juntei minh’alma a sua/ O sol não pode viver perto da lua” (“Tire o seu sorriso do caminho”) de Nelson Cavaquinho e de Guilherme de Brito que também é uma das mais líricas da minha coleção. Chico Buarque, entre tantas coisa belas, cunhou estas maravilhas na canção “Eu te amo” que é um hino: “E na desordem do armário embutido/ Meu paletó enlaça o seu vestido/ E os meus sapatos inda pisa nos teus”.
Caetano Veloso também deixa um marco definitivo na história da MPB em “Meu bem meu mau”: “Você é meu caminho/ Meu vicio/ Meu guru/Porto seguro/ Estava você”. E ainda em “Sampa”: “A força da grana que ergue/ E destrói coisas belas.” Djavan eternizou-se em “Faltando um pedaço”: O amor é um grande laço/ Um passo pra uma armadilha/ Um lobo correndo em círculo/ Pra alimentar a matilha.” Ainda na mesma canção: “O amor e a agonia/ Cerraram fogo no espaço/ Brigando horas a fio/ O cio vence o cansaço.” O cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota criou os seguintes versos que são uma pérola: “Mulher nova bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor”, eternizada na voz de Amelinha que tem no título desta canção estes mesmos versos. Ary Barroso e Lamartine Babo em “No Rancho Fundo”: “Porque o moreno/ Vive louco de saudade/ Só por causa do veneno/ Das mulheres da cidade. A moderna banda Jota Quest: “Mas quando penso em alguém / é por você que fecho os olhos” (“O que eu não entendo”) de Rogério Flausino e Fernanda Mello.
Há também outras onde a beleza está na originalidade, na inteligência no duplo sentido que o autor propõe, como no refrão de “Os argonautas” de Caetano Veloso; “Navegar é preciso/ Viver não é preciso” são versos tomados emprestado de Camões onde a palavra “preciso” não quer dizer necessidade e sim precisão, exatidão, matemático, o que significa “navegar é exato/ Viver não é exato”, o que multiplicaria a beleza destes versos. Em parceria com Djavan, Caetano compôs: “Luz das estrelas/ Laço do infinito” o que significa que todo laço traz consigo o símbolo do infinito que é um oito deitado. Continuando na mesma canção: “Céu de Brasília/ Traço do arquiteto” é uma referência a Brasília onde é proibido construções com mais de seis andares possibilitando a visão ampla do céu (do arquiteto do Universo, Deus) e ao criador da cidade, o arquiteto Oscar Niemayer. Coisa divina. A genialidade de Caetano em: “Luz do sol/ Que a folha traga e traduz” (“Luz do sol”)- versos que são a própria fotossíntese. Grande sacada do compositor baiano. Chico Buarque na mesma canção “Eu te amo” diz: “Rompi com o mundo, queimei meus navios” é uma alusão a Hernan Cortez, conquistador espanhol, que para evitar a fuga dos seus soldados, diante de milhares silvícolas astecas, incendiou todos seus navios, forçando-os a enfrentá-los e a vencê-los. Ou seja: do amor, não há com fugir. Em suma: nesta coleção existem mais versos maravilhosos, mas o espaço não permite relacioná-los.
Todo colecionador gosta de todos objetos colecionados, mas tem o seus preferidos. No meu caso, os versos que estão no topo da minha predileção são: “E na desordem do armário embutido/ Meu paletó enlaça o seu vestido/ E os meus sapatos inda pisa nos seus” de Chico Buarque e “Mulher nova bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor” de Otacílio Batista Patriota. E você caro leitor, quais são os seus versos preferidos? Gentileza enviar-me os de sua preferência através do meu email, abaixo descrito.
É preferível colecionar versos que acumular estresse.

Tadeu Nascimento é servidor público e advogado

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