quinta-feira, 30 de julho de 2009

Garimpando palavras
Por Tadeu Nascimento

Assim como coleciono versos da música popular brasileira, certas palavras exercem em mim um grande fascínio e, na condição de dependente psicoliterário, tenho um agravante: sou demasiadamente curioso. Quanto mais intrigante a palavra, mais interessante. Vocábulos óbvios como “negócio”, que é a negação do ócio não me desperta tanto interesse. E assim vou garimpando palavras ao longo do rio da vida. Seleciono as pepitas mais valiosas, cujo brilho me causa muita inquietação e então vou anotando-as com suas respectivas etimologias. Algumas delas repasso agora ao leitor: “biscoito”. No tempo do descobrimento, os navios (naus) eram abastecidos com comidas pré-assadas ou pré-cozidas. “Coito” (que neste caso não tem nada relacionado a sexo) é uma forma arcaica do particípio passado do verbo cozer. É o mesmo que cozido. E como “bis” é o mesmo que duas vezes, ou de novo, “biscoito” vem de “duas vezes cozido.”
O verbo assassinar. Segundo o criminalista e doutrinador Feo Rosa em seu “Direito Penal”- Parte Geral, quando da Guerra Santa, os mouros (turcos otomanos), ingeriam haxixe pra ganhar coragem. Então era preciso haxaxinar, e que- com o tempo- passou a haxaxinar, depois achachinar e por fim, assassinar.
Manga, a fruta. Ela foi trazida pra cá pelos portugueses e se adaptou tão bem que atualmente somos um dos maiores produtores do mundo. A manga como muitas outras frutas são originárias da Índia. Pelo fato do indiano não comer carne (lá, os animais são sagrados) cultivaram frutas e temperos (especiarias) como o cravo, a pimenta, nó moscada, gengibre, cominho, e até a cana de açúcar. Os especialistas em gastronomia defendem que a comida indiana é melhor do planeta. Voltando à manga: seu nome científico é Mangífera Índica. Mangífera vem de latim manjare, manjar, comer. Então, manjar a fruta da Índia. Frutas brasileiras são aquelas com nomes indígenas: caju, gabiroba, jenipapo, cupuaçu, umbu, açaí e também o abacaxi que eu pensava que era do Havaí. Imagina-se que quando Cabral aqui chegou, as nossas praias eram repletas de coqueiros. Ledo engano: naquele tempo não havia um só coqueiro no Brasil. Havia palmeiras, que é outra coisa. Portanto não havia coco- o fruto-, nem pra remédio. O coco veio da África, assim como o abacate veio do México, a laranja da China e a cana-de-açúcar da Índia.
Coração tem cordas? Saiba o leitor que a palavra coração vem (e tem) de cordas. Pois é, o Pelé é tricordiano- além de tricampeão- porque nasceu em Três Corações. Mas em se tratando de coisas do coração existe até um poema "As cordas do coração": “O coração humano é um instrumento de muitas cordas/O perfeito conhecedor do homem sabe fazê-lo vibrar todas.../ como um bom músico” (Charles Dickens). Sérgio Buarque de Hollanda em “Raízes do Brasil” disse que o brasileiro é um homem cordial. O pai do Chico não quis dizer que o brasileiro é gentil e sim, mole de coração, emocional. E falando em cidades, quem nasce em Salvador, capital da Bahia, o que é? Resposta: soteropolitano. Sotero vem grego, aquele que salva e polis do latim, cidade. Portanto, a cidade do salvador. E quem nasce em Niterói? Araribóia (índio fundador daquela capital) Os araribóias ficam pau da vida; preferem ser chamados de niteroienses.
A Flor do Lácio. Sempre me intriguei com o tal do Lácio, até que deparei-me com o livro “Flor do Lácio” de Cleófano de Oliveira, onde se explica que o famosos verso “A última flor Lácio, inculta e bela” de Olavo Bilac (A via lactea) se refere a língua portuguesa. Mas o que seria o Lácio? Lácio era uma cidadezinha perto de Roma, onde nasceram as línguas latinas. A italiana, a espanhola, a francesa, o próprio latim e a portuguesa.
Sincero. Vem do latim “sinceru”, sem mistura, sem malícia, puro. O escritor Malba Tahan diz em sua obra que sincero é uma palavra romana dada a certos vasos que eram fabricados com uma cera especial. Essa cera era tão pura que os vasos tornavam transparentes e dava-se a impressão que não era de cera. Então falava-se “sine-cera”, que significava sem cera, uma qualidade de vaso perfeito; que se deixava ver através de suas paredes.
Sorte. O grande imperador Júlio Cesar depois de atravessar Rio Rubicão bradou: “ Alea jacta est!”, que significa "A sorte está lançada". Alea é prefixo de aleatório, ou seja, entregue a própria sorte.
Coca-cola. Bebida feita a partir de dois ingredientes, a coca (da cocaína, que continha pequena quantidade no começo do século XX e que há muito tempo parou de fazer parte do refrigerante) e a cola, que é retirada da noz da cola, árvore africana da família das esturculiáceas. Esta contém alcalóides estimulantes, do tipo cafeína. Daí, motoristas de caminhão beberem café com coca-cola para driblar o sono.
Mulata, a mulher. Mulata vem do latim “mulus”, mula, animal híbrido do cruzamento da égua com o jumento, que foi aplicado ao mestiço das raças branca e negra. É uma comparação nada simpática mas rendundou na mulata que é grande sucesso nacional.
E a origem da palavra “bunda”? Este nome dado a esta parte interessante da nossa anatomia esta sim, é uma criação brasileira, garante o antropólogo Darcy Ribeiro. Em Portugal é nádegas. História: as negras que vieram da África para serem escravizadas no Brasil, mais principalmente no Rio de Janeiro eram da nação africana Akibundos, de Cabo Verde e Angola, e tinham nádegas grandes. Os portugueses que viviam em grande número na capital brasileira- e que historicamente são chegados numa crioula- ficavam com água na boca e quando viam nas ruas uma negra diziam: “Ai Jisuis, akibunda!” A partir daí, tudo virou festa.


Tadeu Nascimento é servidor público e advogado

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