Garimpando palavras
Por Tadeu Nascimento
Assim como coleciono versos da música popular brasileira, certas palavras exercem em mim um grande fascínio e, na condição de dependente psicoliterário, tenho um agravante: sou demasiadamente curioso. Quanto mais intrigante a palavra, mais interessante. Vocábulos óbvios como “negócio”, que é a negação do ócio não me desperta tanto interesse. E assim vou garimpando palavras ao longo do rio da vida. Seleciono as pepitas mais valiosas, cujo brilho me causa muita inquietação e então vou anotando-as com suas respectivas etimologias. Algumas delas repasso agora ao leitor: “biscoito”. No tempo do descobrimento, os navios (naus) eram abastecidos com comidas pré-assadas ou pré-cozidas. “Coito” (que neste caso não tem nada relacionado a sexo) é uma forma arcaica do particípio passado do verbo cozer. É o mesmo que cozido. E como “bis” é o mesmo que duas vezes, ou de novo, “biscoito” vem de “duas vezes cozido.”
O verbo assassinar. Segundo o criminalista e doutrinador Feo Rosa em seu “Direito Penal”- Parte Geral, quando da Guerra Santa, os mouros (turcos otomanos), ingeriam haxixe pra ganhar coragem. Então era preciso haxaxinar, e que- com o tempo- passou a haxaxinar, depois achachinar e por fim, assassinar.
Manga, a fruta. Ela foi trazida pra cá pelos portugueses e se adaptou tão bem que atualmente somos um dos maiores produtores do mundo. A manga como muitas outras frutas são originárias da Índia. Pelo fato do indiano não comer carne (lá, os animais são sagrados) cultivaram frutas e temperos (especiarias) como o cravo, a pimenta, nó moscada, gengibre, cominho, e até a cana de açúcar. Os especialistas em gastronomia defendem que a comida indiana é melhor do planeta. Voltando à manga: seu nome científico é Mangífera Índica. Mangífera vem de latim manjare, manjar, comer. Então, manjar a fruta da Índia. Frutas brasileiras são aquelas com nomes indígenas: caju, gabiroba, jenipapo, cupuaçu, umbu, açaí e também o abacaxi que eu pensava que era do Havaí. Imagina-se que quando Cabral aqui chegou, as nossas praias eram repletas de coqueiros. Ledo engano: naquele tempo não havia um só coqueiro no Brasil. Havia palmeiras, que é outra coisa. Portanto não havia coco- o fruto-, nem pra remédio. O coco veio da África, assim como o abacate veio do México, a laranja da China e a cana-de-açúcar da Índia.
Coração tem cordas? Saiba o leitor que a palavra coração vem (e tem) de cordas. Pois é, o Pelé é tricordiano- além de tricampeão- porque nasceu em Três Corações. Mas em se tratando de coisas do coração existe até um poema "As cordas do coração": “O coração humano é um instrumento de muitas cordas/O perfeito conhecedor do homem sabe fazê-lo vibrar todas.../ como um bom músico” (Charles Dickens). Sérgio Buarque de Hollanda em “Raízes do Brasil” disse que o brasileiro é um homem cordial. O pai do Chico não quis dizer que o brasileiro é gentil e sim, mole de coração, emocional. E falando em cidades, quem nasce em Salvador, capital da Bahia, o que é? Resposta: soteropolitano. Sotero vem grego, aquele que salva e polis do latim, cidade. Portanto, a cidade do salvador. E quem nasce em Niterói? Araribóia (índio fundador daquela capital) Os araribóias ficam pau da vida; preferem ser chamados de niteroienses.
A Flor do Lácio. Sempre me intriguei com o tal do Lácio, até que deparei-me com o livro “Flor do Lácio” de Cleófano de Oliveira, onde se explica que o famosos verso “A última flor Lácio, inculta e bela” de Olavo Bilac (A via lactea) se refere a língua portuguesa. Mas o que seria o Lácio? Lácio era uma cidadezinha perto de Roma, onde nasceram as línguas latinas. A italiana, a espanhola, a francesa, o próprio latim e a portuguesa.
Sincero. Vem do latim “sinceru”, sem mistura, sem malícia, puro. O escritor Malba Tahan diz em sua obra que sincero é uma palavra romana dada a certos vasos que eram fabricados com uma cera especial. Essa cera era tão pura que os vasos tornavam transparentes e dava-se a impressão que não era de cera. Então falava-se “sine-cera”, que significava sem cera, uma qualidade de vaso perfeito; que se deixava ver através de suas paredes.
Sorte. O grande imperador Júlio Cesar depois de atravessar Rio Rubicão bradou: “ Alea jacta est!”, que significa "A sorte está lançada". Alea é prefixo de aleatório, ou seja, entregue a própria sorte.
Coca-cola. Bebida feita a partir de dois ingredientes, a coca (da cocaína, que continha pequena quantidade no começo do século XX e que há muito tempo parou de fazer parte do refrigerante) e a cola, que é retirada da noz da cola, árvore africana da família das esturculiáceas. Esta contém alcalóides estimulantes, do tipo cafeína. Daí, motoristas de caminhão beberem café com coca-cola para driblar o sono.
Mulata, a mulher. Mulata vem do latim “mulus”, mula, animal híbrido do cruzamento da égua com o jumento, que foi aplicado ao mestiço das raças branca e negra. É uma comparação nada simpática mas rendundou na mulata que é grande sucesso nacional.
E a origem da palavra “bunda”? Este nome dado a esta parte interessante da nossa anatomia esta sim, é uma criação brasileira, garante o antropólogo Darcy Ribeiro. Em Portugal é nádegas. História: as negras que vieram da África para serem escravizadas no Brasil, mais principalmente no Rio de Janeiro eram da nação africana Akibundos, de Cabo Verde e Angola, e tinham nádegas grandes. Os portugueses que viviam em grande número na capital brasileira- e que historicamente são chegados numa crioula- ficavam com água na boca e quando viam nas ruas uma negra diziam: “Ai Jisuis, akibunda!” A partir daí, tudo virou festa.
Tadeu Nascimento é servidor público e advogado
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