quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Goiania Foto
Depois de uma noitada: ajudar o próximo

Saudades da vida boêmia de Goiânia

Por Tadeu Nascimento

Não que eu seja saudosista, mas o progresso tem mudado muito as nossas vidas. Muitas coisas para melhor; outras nem tanto. Isto posto, entendo que alguns lugares deixaram lacunas e saudades em Goiânia. O tempo passou e muitos estabelecimentos passaram. A questão é que não surgiram outros para substituí-los. Há pouco menos de vinte anos desapareceram da cidade lugares onde se encontravam – no mesmo ambiente – jornalistas, políticos, artistas, estudantes, boêmios de todos os hálitos e de todas marcas de cerveja e de uísque. Onde – no meio de melhores papos – se podia fechar a noite se redimindo dos pecados etílicos com uma canja de galinha, um escaldado ou mesmo um bom filé a cavalo ou um arroz à carreteiro. Fizeram o desfavor de desativar o Restaurante Salerno que ficava sob as arquibancadas do Estádio Antônio Aciolly do Atlético Goianiense, com objetivo de construir um shopping na área do estádio – sob a força de um contrato espúrio. Ainda bem que o povo da Campininha e os torcedores fiéis do Atlético impediram. Sem esta providência, não veríamos o Atlético Goianiense em primeiro lugar da Série B e que, com certeza, estará, em 2010, na Série A do Brasileirão. Quem sabe como campeão da Série B. Voltando ao Salerno: os bares e as boates fechavam e os notívagos (aqueles que amam a noite) iam tomar a melhor canja (ou escaldado) da cidade no Salerno. Era comum encontrar os mesmos amigos que há pouco estavam no mesmo bar ou na mesma boate.

Também na Avenida Tocantins aprazia o charmoso Restaurante Dona Beja, que executava os melhores filés e o seu famoso arroz à carreteiro. Ali se encontravam jornalistas que – depois de encerrada a edição dos seus jornais – iam ali se espairecer; os boêmios mais renomados que iam tomar seus últimos goles; políticos para tecer suas artes e manhas; artistas que – depois das apresentações no Teatro Goiânia – iam conhecer a boemia da capital. Muitos clientes ficavam à espera de vagar uma mesa. Eis aí, senhores “restauranteurs”, um bom negócio: reativar a Dona Beja, mesmo que seja em outro lugar – desde que se mantenha o mesmo estilo e graça.

Na década de 70, o fim de noite acontecia no Zé Latinhas, na Rua 8, no Centro. Recordo-me de muitos deputados arquitetando estratégias politiqueiras sobre os panos vermelhos das mesas do Zé Latinhas. A comida, nota dez. O ambiente – boemicamente –, onze. Muitos saíam da boate do Hotel Bandeirantes e dobravam a esquina para encerrar ali a sua noite com um filé à parmegiana.

Hoje, o perigo ronda. Não há um só lugar em Goiânia – para que esta mesma gente interessante se reúna. É o preço do progresso. Resta tomar um caldo na Avenida T-63, num lugar totalmente distante – quase a ermo –-, escuro e perigoso, onde raramente se encontra com um conhecido. Onde o garçom nada mais é que cobrador de impostos etílicos. Quanto mais tonto, mais extorquido. Existe outro estabelecimento, no fim da Rua 85, que vende galetos, com tantos seguranças tipo leão-de-chácara, cuja impressão é de estar num lugar inóspito onde se frequenta o perigo e não segurança; portanto não é lugar para encontrar amigos, muito menos no fim de noite. São lugares sem nenhum aconchego de madrugada, sem nenhum charme da burguesia noturna. A verdade é que a graça está em saber que sempre os mesmos amigos já estão ali prontos a sua espera, a puxar uma cadeira pra você. Na madrugada os colarinhos parecem respirar livres, as gravatas repousam no bolso do paletó que está no carro que impede a saída de outro, que também tem um paletó no banco do passageiro; os batons em desalinho com os lábios; os rimel – dos olhos – desbotados; as meias desfiadas que ninguém vê. Enfim, a noite adiantada sempre permite estas liberdades.

Há quem agrida o estômago com sanduíches lambrecados de maionese duvidosa ou com espetinhos de carne de gato nas calçadas da cidade. Nos melhores dias de boemia, depois de encerrada as atividades noturnas do Sancho Pança, do Degrau 94 (dos meus amigos Rubão e Elvira), do Dom Quixote, do Bebs, do Zero Grau, das boates Zoom (belíssima casa do internacional Chico Recarey) na Galeria Um, da Number One, da People, os estômagos cobravam um contraponto, um socorro para aplacar o álcool ou mesmo a bem-vinda fome. Depois dos bailes no Clube Jaó, onde aconteciam os bailes de formatura – que eram os melhores acontecimentos do ano – e também do Jóquei caíamos, nós os notívagos, por força da gravidade, em alguma boemia que encerrasse a noite de uma forma perfeita. E a solução estava nas “mesas boêmicas” do Salerno, da Dona Beja e do Zé Latinhas, que se perduraram por muitos anos. Tornaram-se tradição. Mas o falso brilho da modernidade acabou por apagar a verdadeira luz que tinham estes bares da boemia goianiense. É uma pena. Nas grandes capitais fazem questão de preservar seus bares famosos – apesar da modernidade. No Rio de Janeiro a La Fiorentina mantém viva sua tradição de mais de 50 anos, tal qual o Bar Brahama; o Filé do Moraes e o Ponto Chic da capital paulista. Mesmo a cidade de Ribeirão Preto, interior paulista, mantém a tradição de 60 anos da Choperia Pinguim. Estabelecimentos que só encerram suas atividades nas altas horas.

Melhor então ir pra casa e esperar dias melhores. E virão. Se Deus quiser, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e os anjos também. Amém. Salve a boemia! Amém.

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