quarta-feira, 31 de março de 2010



O Caminho da Pedras

Por Tadeu Nascimento


Amarildo Carimbó, de Água Mansa, sujeito subalterno nas querenças caprichosas da patroa Dona Manoelina, andava sempre com os olhos pregados nas suas botinas, no desviante das tentações das curvas e rebolados do mulherio da cidade. Andava tão no retilíneo que para virar uma esquina, dava um solavanco no esqueleto que parecia que nele estava baixando o santo. Intimidades de sussurros e adjacências, só com a cara metade, que de tão gorda tinha tantas metades que Carimbó sempre caia no dificultoso de encontrar o caminho das pedras, ainda mais no escuridéu dos bons costumes que Dona Manoelina exigia. Seu Carimbó era um caminhão de tristezas! Se o céu for mesmo o marasmo de só "viver" no silencioso e rezaria de que tanto falam, ele preferiria fazer uma reserva no inferno, desde que o proprietário lhe garantisse frevo dos mais atrevidos e mulheres fantasiadas das mais finas safadezas! Mas como todo mundo tem o seu dia, chegou o dia da patroa despedir-se da vida. A boa notícia pegou o marido no contra-pé da surpresa que caiu durinho da silva! Seu Carimbó foi diretinho para o céu. Lá, São Pedro o recebeu com os braços abertos. "Seja bem vindo, filho querido!"-disse São Pedro. Mas o recém-chegado, muito do desconfiado com tamanha cerimônia, pediu licença a santidade e foi conferir o ambiente, o que achou muito chegado no respeitoso e muita brancura no visual, algo como uma praia de algodão doce e a trilha sonora com muitos desenrolamentos de ladainhas. Seu Carimbó perguntou então ao porteiro se não tinha ali, um pagodezinho, um arrasta-pé, um baile funk. São Pedro respondeu no mais sisudo que não.
- Nem na sexta-feira, no sábado?- questinou Carimbó.
- Aqui, todos os dias são iguais!
- Não vai me dizer que não tem botecos, choparias e boates?...
- Lamento, mas não tem!
- Nenhum?
- Não, lamento!
- Mas aonde a moçada se encontra?
- Aqui mesmo, nas nuvens! Encontra-se para as orações!
- Mas não tem uma folguinha, pra tomar um chope, fazer uma farrinha?...
Ah, meu Deus! Onde vim parar! Pensou, o recém chegado.
São Pedro com ar de decepcionado, respondeu:
- Lugar de farra é lá embaixo!- apontou da janela do céu.
Seu Carimbó foi então até a janela, pôs o ouvido de fora e ouviu o funk "Thuthuca, vem aqui pro seu negão!" e uma gritaria de festa das mais animadas!
- É disto que eu preciso, São Pedro! Pela deferência celestial a mim dedicada, vou lhe agradecer, meu santo, mas vida de marasmo e de algodão doce, já bastaram os 30 anos com Manoelina! Agora quero ir à forra e à farra!
- Vai com Deus, aliás, vai e volte com Deus, meu filho!
Deu adeusinho pro santo e desceu nuvens abaixo. Mas não passou meia horinha, eis Seu Carimbó de volta, ofegante, pedindo pelo amor de Deus para entrar. São Pedro, surpreso, perguntou com aquela voz de Dom Paulo Evaristo Arns, se ele não gostou do inferno e ele respondeu:
- Sim !... não!.. sim!..não!.. É que eu levei um susto danado, São Pedro, quando vi a Manoelina e a mãe dela fazendo, as duas, striptease para o Capeta, ao som de "Thuthuca, vem aqui pro seu negão!" E o pior, "era ele, o Demo, que estava cantando!"

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