terça-feira, 30 de junho de 2009

AMORES DESCONECTADOS

Por Tadeu Nascimento

Quando acaba um relacionamento fica um buraco, um vazio difícil até de se explicar. Mas não é só um vazio, mas um descompasso, um hiato no ritmo da vida, um não sei quê de descontentamento, como diria Renato Russo. O ideal seria apertar uma tecla para deletar a pessoa que um dia amou. Como isto não é possível, procura-se se manter à distância. Como você não quer encontrá-la tão cedo, evita freqüentar os lugares onde sabidamente poderia dar de cara com ela. Pede aos amigos que não toquem no assunto, que não falem o nome dela. Os presentes que ela lhe deu vão parar numa caixa que é mais um arquivo morto. As fotografias já estão num saco escuro dentro de um outro saco escuro de um cofre ainda mais escuro. Mas, Mais dia, menos dia, o inevitável acontece. Como disse Chico Buarque na letra de “Anos Dourados” “É desconcertante rever o grande amor.”

Imagine a possibilidade de você colidir seu carro num outro estacionado. Pode acontecer com qualquer um. E honesto como você é, espera o proprietário do veículo estacionado voltar para reparar o dano. Eis que vem andando para o seu lado, ela. Você faz de conta que não a vê. E ela vem chegando. Está próxima. Ela viu que ali está você. Não é possível que ela vai querer falar comigo, pensa (o coração acelera!). Ela abaixa a cabeça, passa por você e pára diante do carro e faz cara de espanto, pois o carro dela está bem amassado. Pois é, tinha que ser no carro dela! Que azar! E aí, leitor, como é que se desembaraça este nó?

Outro caso: de repente você entra no elevador já com algumas pessoas, sem ascensorista e só depois vê que a última pessoa que esperava encontrar ali está logo atrás daquela senhora gorda. A poucos centímetros de você. São centímetros que parecem quilômetros. Não mais que de repente a senhora gorda e os demais saem e ficam somente a dita pessoa e você. Agora são milímetros de distância. Pronto, e agora? Não vai puxar assunto. Faz de conta que não a viu. Que nunca a viu. Finge que não olha, mas o seu perfume o arrasta e o remete a um passado que você não queria senti-lo neste tempo presente. Mas, e se o elevador enguiçar? Ainda estão no 15° andar. Deste andar ao térreo é uma viagem. E se, por exemplo, no 8°andar entrar algum conhecido de ambos e ele se surpreender com apenas os dois no elevador e disser: “Que surpresa, vocês por aqui!? Não sabia que vocês estão novamente juntos! Que ma-ra-vi-lha!” Seria constrangedor.

É mais fácil, embora mais dolorido, dar de cara com aquela pessoa de mãos dadas com outro homem, pois aí não existe a possibilidade de trocar uma só palavra. Neste caso fica estabelecido que você morreu e que ela não existe. Os olhares não se cruzarão nem no infinito. Passado o mal estar, vem a análise crítica: Que cara mais escroto que ela arrumou; ela deve estar mesmo a perigo! O cara parece o bisavô dela!; ela arrumou um cara que está em estado de decomposição avançado!

Poderia ser diferente. O carro amassado seria uma grande chance para consertar a vida de ambos. “Enquanto seu carro estiver na oficina eu a levo para onde quiser, tô por sua conta (se possível, pra sempre)!” No elevador, bastaria que nenhum saísse à frente do outro, até que ambos saíssem juntos. Às vezes o silêncio fala mais e melhor que a boca. Ou então que um dos dois apertasse o botão do último andar e aí seria um subir e descer até que saciassem a sede um do outro, como no “Amor no tempo do cólera” de Gabriel Garcia Marques. Agora, no caso daquela que um dia foi sua amada e que você viu acompanhada por outro homem, restam-lhe as opções de bater seu carro no dela ou de esperar que ela entre num prédio (basta segui-la) ou ainda desafiar o ridículo arremedo de Ricardão para um duelo. Neste caso, para que haja equilíbrio de forças, melhor convocar o seu avô para duelar no seu lugar.

Mas como tudo tem fim, uma hora dessas, sem se perceber, o grande amor passou, e ficou foi uma lembrança tênue, às vezes doce. Isto: uma doce lembrança. E por fim restaram apenas a dor da perda do amor em si que se foi pra nunca mais e a certeza que a vida não passou em brancas nuvens. É como o plug que foi desconectado da tomada para sempre. Daí em diante é apenas uma transeunte; alguém que você apenas conheceu e só. O mesmo Chico Buarque que é um grande entendido do sexo feminino nos ensina na sua canção “Acorda Amor”: “Passado um ano eu não vindo/ Põe a roupa de domingo/E pode me esquecer.” “Acorda Amor, eu tive um pesadelo agora...”

Tadeu Nascimento é servidor público e advogado

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