terça-feira, 30 de junho de 2009

O AMOR DE ANNA DE ASSIS

Por Tadeu Nascimento

Amor sem igual era o de Anna por Dilermando. Amor intenso e trágico que resultou na morte de Euclides. Assim como as tragédias gregas estes três personagens reais viveram a maior tragédia brasileira. A história começou quando quatro dias depois da Proclamação da República Euclides da Cunha foi à casa do major Solon Ribeiro, um dos ícones da Proclamação, pedir sua volta à Escola Militar da Praia Vermelha por ter sido dela expulso por tentar quebrar a espada diante do ministro da Guerra, gesto de rebeldia contra a monarquia. Quando ali chegou Euclides, já famoso no Rio de Janeiro por sua ousadia, chamou atenção da menina Anna Ribeiro, filha do major. Deu no que deveria dar: poucos dias depois se casaram. Euclides tinha 24 anos e Anninha, 14. Tiveram quatro filhos: Eudóxia que morreu logo após o parto, Solon, Euclidinho e Manoel Afonso. Mas Euclides tinha um temperamento austero, um homem atormentado, e que mal dava atenção à esposa. E por acaso, Anna, agora com o sobrenome “da Cunha” era uma mulher belíssima. O marido, engenheiro e escritor, autor de uma das importantes obras literárias que é “Os Sertões”, fora convocado pelo ministro Barão do Rio Branco para delimitar as fronteiras Brasil- Peru- Bolívia. O genial escritor ficou dois anos sem enviar provimentos de sub existência à Anna e aos 3 filhos, tanto que o próprio pai de Euclides em uma carta chama a atenção do filho para que ele cumpra com seus deveres de chefe de família. Pior do que isto, uma mulher belíssima em pleno vigor físico abandonada no Rio de Janeiro.

Enquanto isto Anna e seus dois filhos moravam na pensão Monat na rua Senador Vergueiro, onde conheceu um rapaz louro, bonito e educado, aspirante ao Exército de nome Dilermando de Assis. O inevitável aconteceria. Afrodite, a deusa do amor tecia o seu manto. E tal qual gasolina perto do fogo, a coisa explodiria. Ele com 17 anos, ela com 30. A paixão, com sua força arrebatadora, os arrastaria para a tragédia. Aquela que seria a Tragédia Brasileira. Anna se engravida de Dilermando. Segundo o livro “Anna de Assis” de Judith de Assis, Euclides depois de descobrir que o filho era de outro homem, toma-o da mãe, tranca Anna no quarto e deixa a criança morrer de inanição aos sete dias de vida. O menino recebeu o nome de Mauro.

Anna tenta separa-se de Euclides. Ele não aceita. Anna continua a amar Dilermando e dele se engravida outra vez. Vem ao mundo um menino louro. O escritor Medeiros e Albuquerque escreve em seu livro de memórias: “Nasce uma espiga no cafezal” (Euclides era moreno, descendente de índio). Batizaram-no de Luis. Anna passa a se encontrar com Dilermando no Bairro da Piedade.

Justamente há um século, 15 de agosto de 1909, Euclides transtornado, com uma arma que pedira emprestado a um primo para matar um cão hidrófobo vai lavar sua honra. Bate à porta e é atendido por Dinorah, irmão de Dilermando que o deixa entrar e Euclides, revólver em punho, entra gritando: “Vim para matar ou para morrer!” e atira à queima-roupa em Dilermando que ferido ainda tenta tirar a arma de Euclides. Leva outro balaço, agora no peito. Dinorah tenta desarmá-lo também recebe um tiro que atinge a coluna cervical, inutilizando-o para o resto da vida. Enquanto isso, gritos vindos da cozinha chamam a atenção de Euclides. O atirador parte para completar a matança. Dilermando apanhou o próprio revólver, arma do Exército, e atirou não para matá-lo e sim para amedrontá-lo, quando Euclides se volta para o ataque. “Fuja doutor Euclides, não quero matá-lo”, grita o amante que recebe outra bala no corpo. E depois mais outra. Sabendo que se não atirasse para matar, seria morto por Euclides, atirou-lhe no peito. Foi a causa mortis do escritor. Esses fatos constam do processo judicial que julgou Dilermando. Foram quatro balas em Dilermando e apenas uma em Euclides.

Anna não o condenou e continuou a viver com ele. Solon, o filho mais velho, foi viver com seu padrinho, o então cel. Cândido Rondon na selva Amazônica. Desaparece misteriosamente. Até hoje está insepulto. Enquanto isso, a imprensa denigre a imagem do casal. Acusam Dilermando de assassino e Anna de prostituta. O jornalista Elói Pontes faz campanha para condená-lo. Dilermando vai a julgamento. Defende-o com maestria Evaristo de Moraes. A justiça o inocenta.

Nestor da Cunha, irmão de Euclides, instiga Euclidinho a matar Dilermando. Chama-o aos brios pelo fato de o assassino de seu pai continuar dormindo com sua mãe! Estava Dilermando em 4 de julho de 1916, no cartório de órfãos para resolver questões de um dos filhos de Euclides, quando é surpreendido por Euclidinho que lhe desferiu outros quatro tiros (dois pelas costas). Dilermando conseguiu se armar e atirar em Euclidinho em legítima defesa. Um tiro apenas. Bala de um campeão de tiro do Exército. Evaristo de Moraes volta a defendê-lo e consegue a sua absolvição.

Anna perdoara o assassino de seu filho. Casa-se com ele. Chama-se agora Anna de Assis. Viveram vida calma e tiveram mais três filhos. Embora sob a mira da imprensa que vomitava maldades sobre ela. Entre e perdas e danos por conta deste amor Anna sofreu pela a morte de 4 entes queridos: o filho Mauro de sete dias de vida, o marido Euclides, o filho mais velho, Solon (que se Euclides estivesse vivo não mudaria para o Amazonas) e Euclidinho. Todos tragicamente.

O tempo passa. Anna já completara 50 anos e já não trazia a beleza de antes. Ele não alcançara os 40. O desinteresse do marido pela mulher faz com que Anna desconfiasse de que havia cheiro de outra naquela história. Passou a segui-lo e descobriu seu envolvimento com uma moça mais nova no Bairro do Encantado. Quando se encontraram em casa ela disse a ele a frase que se tornou histórica: “Você é o único homem que não tinha o direito de prevaricar!” Separam-se para sempre. Anna passou a servir marmitas e quitandas para manter a família. Somente se voltaram a se ver no leito de morte de Anna em 12 de maio de 1951, onde Dilermando fora buscar o seu perdão. Às portas fechadas ele a acompanhou até ao último suspiro. Não se sabe até hoje se ela o perdoou. Dilermando que se tornara general morre de infarto no mesmo ano. Anna de Assis teve a audácia de viver uma história de um grande amor em um tempo conservador de moral rígida. Pagou caro por isso, mas viveu a sua história de amor.

Tadeu Nascimento é servidor público e advogado.

Email: tadeunascimento10@hotmail.com

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